terça-feira, 12 de outubro de 2010

A TERCEIRIZAÇÃO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS


Lauro Guimarães Machado Júnior[1]
A terceirização nasceu da necessidade de aprimoramento das técnicas de administração de empresas. Aponta-se como seu marco inicial a Segunda Grande Guerra, quando a indústria bélica, necessitando suprir o aumento excessivo da demanda, transferiu para terceiros as atividades de suporte, concentrando-se apenas no aumento de produção.[2]

A partir da década de 50, houve um grande crescimento no comércio internacional, já que os países, gradativamente, abriram seus mercados internos para a entrada de produtos importados. As empresas, devido ao aumento da concorrência, foram compelidas a aumentar a produtividade e reduzir custos. Por outro lado, o desenvolvimento acelerado da informática e das telecomunicações facilitou o fluxo de grandes somas de capital de um país para o outro[3]. Essas transformações globais, que repercutiram nas esferas econômica, jurídica, política, institucional, social, cultural, ambiental, passaram a ser descritas pela palavra globalização, que não encontra uma conceituação rigorosa, mesmo entre os autores mais conceituados. [4]

A globalização econômica, para Reinaldo Gonçalves, pode ser entendida como a ocorrência simultânea de três processos. A intensificação dos fluxos internacionais de produtos e capitais; o acirramento da concorrência internacional, e, por último, a crescente interdependência entre os agentes econômicos e sistemas econômicos nacionais[5].

No que toca ao Direito Social e, mais especificamente, ao Direito do Trabalho, esse processo de mudanças tem produzido efeitos preocupantes, tais como a redução do nível de emprego[6], a precarização das condições de trabalho, o enfraquecimento do poder de negociação dos sindicatos, a redução de salários e a perda de direitos históricos conquistados pelos trabalhadores na segunda metade do Século XX.

Conforme pontua Paul Singer[7], um dos grandes efeitos da globalização na organização empresarial foi a descentralização do capital, onde as empresas verticalmente integradas, sob pressão do mercado, separaram-se das atividades complementares que exerciam para comprá-las no mercado concorrencial a menor preço. A este fenômeno o referido autor denomina terceirização.

As empresas passaram a desverticalizar[8] sua estrutura, procurando com isso a economia de recursos, a simplificação administrativa, o acréscimo dos investimentos na atividade-fim e, ainda, o aumento da produtividade e da qualidade final do produto.

Assim, a terceirização, como decorrência da globalização econômica, independentemente de eventuais restrições legais e jurisprudenciais, passou a ser amplamente utilizada pela maior parte dos países do mundo.[9]

Existem várias formas de entregar a terceiros as atividades acessórias da produção, simplificando a estrutura da empresa, diminuindo custos e aumentando a produtividade, todavia, no sentido estrito da palavra, terceirização é entendida como a possibilidade de contratação de terceiro para realizar serviços que não constituem a atividade principal da empresa, tais como limpeza, vigilância, manutenção.[10] Esta acepção já se encontra inclusive em alguns dicionários pátrios[11].

A palavra terceirização passou a ser utilizada para denominar os contratos de prestação de serviços entre empresas, podendo ser conceituada da seguinte forma:[12]
Terceirização é uma técnica administrativa que possibilita o estabelecimento de um processo gerenciado de transferência, a terceiros, das atividades acessórias e de apoio ao escopo das empresas que é a sua atividade-fim, permitindo a estas concentrar-se no seu negócio, ou seja, no objetivo final.

A terceirização de serviços, no Brasil, mesmo sem regulamentação normativa, passou a ser amplamente utilizada no meio empresarial, produzindo conflitos que chegaram à Justiça do Trabalho, causando acirrados debates e divergências entre os julgadores, o que culminou com a pacificação da jurisprudência, pela edição da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho. O precedente da mais alta corte trabalhista do país passou a disciplinar e admitir a chamada terceirização lícita, entendida como a prestação de serviços especializados ligados à atividade meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.

Não obstante, a indiscriminada expansão da terceirização no Brasil - inclusive no setor público - aliada à falta de regulamentação normativa, tem apresentado grandes repercussões de ordem social, invariavelmente desvantajosas para os trabalhadores.

Nesse contexto, como observa Mauro Menezes, recai sobre os ombros do magistrado trabalhista a tarefa de invocar os princípios constitucionais da valorização social do trabalho e da dignidade da pessoa humana – ao qual se encontra adstrito o princípio protetor -, bem como os dispositivos da legislação ordinária correlacionados, para prevenir e coibir os gravames sociais decorrentes do avanço indiscriminado da terceirização.[13]

Daí a importância de um estudo que busque fundamentar a importância do princípio protetor como norma laboral e, mais ainda, como direito fundamental dos trabalhadores. Na lição de Ana Virgínia[14]:
“Logrado o reconhecimento dos princípios como normas que expressam valores encontrados no próprio ordenamento positivo, pode-se vislumbrar sua essencialidade no trabalho do operador jurídico, especificamente em situações limite, quando a aplicação das regras não se mostra suficiente”.


O estudo dos princípios possui grande relevância para a compreensão do fenômeno jurídico, e são vários os autores que contribuem para sua delineação a luz das doutrinas modernas.

De acordo com a noção pós-positivista, que teve como precursor Alexy, a norma deve ser considerada como gênero, do qual princípios e regras seriam espécies[15].

É dentro dessa nova roupagem que o princípio protetor deve ser estudado, fazendo-se então o seu confronto com o fenômeno da terceirização, para que se busque uma harmonia entre a modernização das técnicas de gestão das empresas e os valores sociais cristalizados na Constituição.

O estudo dos princípios constitucionais revela-se fundamental para o enfrentamento das novas questões econômicas e sociais decorrentes do contínuo desenvolvimento da sociedade, pois, como leciona Paulo Bonavides, os princípios alçados à esfera constitucional experimentam uma troca de posições diante da lei, pois passam a encabeçar o sistema, guiando e fundamentando todas as demais normas presentes na ordem jurídica, além de portar e conservar os preceitos de natureza axiológica, cuja dinâmica se irradia a partir do texto constitucional[16]


[1] Lauro Guimarães é especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie, Analista Judiciário, Assessor de Ministro do TST e Professor Universitário.
[2] CASTRO, Rubens Ferreira de, A terceirização no Direito do Trabalho. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 75.
[3] SINGER, Paul, Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas, 3ª ed. São Paulo: Contexto, 1999, p. 16-17.
[4] GONÇALVES, Reinaldo. O nó econômico. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 19.
[5] GONÇALVES, Reinaldo. O nó econômico. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 19.
[6] Reinaldo Gonçalves aponta, como principais fatores do aumento do nível de desemprego, o acréscimo nas importações e o desenvolvimento tecnológico - impulsionado pelo aumento da concorrência. Op. cit., p. 32-33.
[7] SINGER, Paul, Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas, 3ª ed. São Paulo: Contexto, 1999, p. 19.
[8] Sérgio P. Martins utiliza os neologismos desverticalização, horizontalização e out sourcing, como sinônimos, ressalvando que são expressões atinentes à ciência de da Administração de Empresas.(A terceirização e o direito do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 20).
[9] PAMPLONA FILHO, Rodolfo M. V. Terceirização e responsabilidade patrimonial da Administração Pública. In: http//www.jus.com.br/texto.asp?id=2036>. Acessado em 10/04/2003.
[10] MARTINS, Sérgio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho, 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 23.
[11] TERCEIRIZAR: (vtd) Delegar, a trabalhadores não pertencentes ao quadro de funcionários de uma empresa, funções exercidas anteriormente por empregados dessa mesma empresa. Muitas vezes, a pessoa terceirizada é um ex-funcionário, que se demite ou é demitido para exercer a mesma função quando estava empregado. In: MICHAELIS, Moderno dicionário de língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998, p. 2046.
[12] QUEIROZ, Carlos Alberto Ramos Soares de, Manual de Terceirização, In: CASTRO, Rubens Ferreira de, A terceirização no Direito do Trabalho, 1ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 78.
[13] MENEZES, Mauro de Azevedo, Constituição e reforma trabalhista no Brasil: interpretação na perspectiva dos direitos fundamentais, 1ª ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 332.
[14] GOMES, Ana Virgínia Moreira, A aplicação do princípio protetor no direito do trabalho, SP: LTr, 2001, p. 14
[15] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 83, 1997. In: MENEZES, Mauro de Azevedo, Constituição e reforma trabalhista no Brasil: interpretação na perspectiva dos direitos fundamentais, 1ª ed. São Paulo: LTr, 2003.
[16] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 264.

Um comentário:

  1. Professor Lauro, texto direto e fantástico. Sou uma adepta da força normativa dos princípios, sendo eles explícitos ou não. Espero que nos próximo anos tenhamos menor quantidade de leis e maior capacidade do intérprete adotar a perspectiva principiológica. O Direito do Trabalho tem muito a ensinas para os demais ramos neste aspecto.

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