Notícias do Tribunal Superior do Trabalho - 25/03/2010
Recusa de instalar portas giratórias em agências bancárias gera dano moral coletivo
A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve sentença do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região que condenou o Banco Itaú ao pagamento de dano moral coletivo, pelo descumprimento de obrigação de instalação de portas giratórias em agências bancárias. No caso, o Ministério Público do Trabalho da 18ª Região ingressou com Ação Civil Pública, pedindo que a Justiça do Trabalho determinasse que banco cumpra, em suas agências no Estado de Goiás, legislação que obriga instituições financeiras a instalar portas giratórias em agências bancárias, como forma de preservação da saúde física e mental dos trabalhadores. Na mesma ação, o MTP pedia a condenação do banco ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.
No Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, a ação foi julgada procedente, ocorrendo a condenação do banco por danos morais coletivos. O banco ingressou com Agravo de Instrumento, pois tivera o seguimento de seu recurso de revista negado, com o objetivo de reverter a condenação.
Ao analisar o recurso no TST, o relator na Primeira Turma, ministro Walmir Oliveira da Costa destacou que “o dano moral coletivo não decorre necessariamente de repercussão de um ato no mundo físico ou psicológico, podendo a ofensa a um bem jurídico ocorrer tão somente por um incremento desproporcional do risco com grave repercussão entre os empregados e a clientela”. Portanto, para o ministro, a recusa do banco de instalar as portas giratórias gerou a “potencialização dos riscos de roubos às agências”, com reflexos nos clientes e empregados autorizando a condenação por dano moral coletivo.
O ministro Vieira de Mello Filho observou que existe lei que obriga a instalação de portas giratórias como medida de segurança, observa-se, no caso, o seu descumprimento por parte do banco que se recusa a instalar. “Em um país onde a impunidade é regra, quando o agente (Ministério Público), exige que se cumpra uma ordem que irá garantir um pouco mais de segurança para os empregados, ordem esta que teoricamente não pode se enquadrar como interesse homogêneo, enquadra-se no processo do trabalho como interesse difuso plenamente passível de dano coletivo”.
(Dirceu Arcoverde)
Esta matéria tem caráter informativo, sem cunho oficial.
Permitida a reprodução mediante citação da fonte
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Superior do Trabalho
Tel. (61) 3043-4404
quinta-feira, 25 de março de 2010
quarta-feira, 24 de março de 2010
Meio Ambiente do Trabalho - Nova perspectiva para a responsabilidade civil do empregador
Meio ambiente do trabalho e responsabilidade civil por danos causados ao trabalhador:
dupla face ontológica
FONTE: Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8452
Guilherme Guimarães Feliciano
Juiz do Trabalho Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté (SP). Livre Docente em Direito do Trabalho e Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Extensão Universitária em Economia Social e do Trabalho (Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP). Professor Assistente Doutor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade de Taubaté e Coordenador do Curso de Especialização "Lato Sensu" em Direito e Processo do Trabalho na mesma Universidade. Secretário Geral da AMATRA-XV (Associação dos Magistrados do Trabalho da 15ª Região).
I. INTRODUÇÃO
1. A entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002) trouxe consigo promessas e desafios. No campo da responsabilidade civil, a redação do artigo 927, par. único, do NCC entreabriu uma porta dilargada para que o intérprete identificasse, no cruzamento dos dados da realidade com o arcabouço legislativo, ensejos inéditos para a aplicação da teoria do risco, onde se plasma a responsabilidade civil objetiva.
2. No universo juslaboral, esse assunto ganhou interesse no campo da infortunística do trabalho, notadamente após a edição da Súmula n. 736 do STF e, mais recentemente, com a alteração do artigo 114 da CRFB pela EC n. 45/2004, à qual se seguiu a inteligência do Excelso Pretório no Conflito de Competência n. 7.204-1/MG, rel. Min. Ayres Britto (fixação da competência da Justiça do Trabalho para o processo e o julgamento das ações de responsabilidade civil movidas pelo empregado em face do empregador).
3. O presente trabalho pretende lançar novas luzes sobre a matéria, demonstrando que a responsabilidade civil objetiva do empregador, ligada a uma certa ordem casuística, não compromete a letra mínima do artigo 7º, XXVIII, parte final, da CRFB.
II. AS ANTINOMIAS APARENTES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM SEDE LABOR-AMBIENTAL
4. Em se tratando de meio ambiente do trabalho, a Constituição Federal de 1988 apresenta ao menos duas antinomias [01] aparentes. Uma delas deflui do cotejo entre as normas constitucionais dos incisos XXII e XXIII do artigo 7º da Constituição Federal [02]. O primeiro estabelece, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, a redução dos riscos inerentes ao trabalho; o segundo, ao revés, contrapõe ao risco o direito ao adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas (= monetização do risco). Outra antinomia aparente contrapõe o artigo 7º, XXVIII, da CRFB ― que parece vincular o direito de indenização do acidentado frente ao empregador à culpa ou dolo deste último (na esteira da Súmula n. 229 do STF, parcialmente superada) ― e o artigo 225, §3º, da CRFB ― que, sem aludir ao elemento subjetivo da conduta, destaca a obrigação do responsável à reparação dos danos de natureza ambiental a que der causa (o que deve incluir, por força do artigo 200, VIII, in fine, os danos relacionados ao meio ambiente do trabalho, derivados da inobservância das normas de segurança, higiene e saúde no trabalho). E, com efeito, o artigo 14, §1o, da Lei n. 6.938/81 dispõe, em matéria ambiental, que "é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". São, portanto, normas contraditórias? Aparentemente, sim; concretamente, não.
5. Quanto à primeira antinomia, resolve-se-a com a idéia de que a exposição ao risco é intrínseca a certas profissões no atual estágio de desenvolvimento tecnológico ("Risikogesellschaft"). Haverá, sempre, trabalho penoso, insalubre ou perigoso, que poderá ser empreendido, à luz dos princípios insculpidos no artigo 170 da CRFB (livre iniciativa e livre concorrência), ou mesmo que deverá ser empreendido, à mercê do interesse público primário (e.g., as atividades de geração e transmissão de energia elétrica, potencialmente perigosas ¾ vide Lei n. 7.369/85). Assim, se a redução máxima do agente prejudicial, i.e., a sua eliminação, é o primeiro propósito da lei (propiciando, inclusive, a supressão do adicional ¾ Súmula n. 80 do C.TST), a Constituição transige com a realidade, estipulando o pagamento de adicionais para as atividades insalubres, perigosas e penosas, enquanto o atual estado da técnica não permitir, em determinadas atividades econômicas, a eliminação ou sequer a redução do elemento perverso a níveis toleráveis para a saúde humana. Nem por isso se haverá de proibir aquela dada atividade, seja por sua necessidade social, seja em respeito ao primado da livre iniciativa. Para esses casos, estão previstos os adicionais de remuneração [03]. Por outro lado, se o estado atual da técnica permitir a eliminação dos riscos sem comprometimento cabal da atividade econômica, o trabalho perverso deve ser sumariamente eliminado; e, para tanto, poderão os trabalhadores e/ou o sindicato recorrer às instâncias do Poder Judiciário. Tal interpretação, sobre coordenar habilmente as duas normas constitucionais (e, por conseqüência, os dois princípios contrapostos ― direito ao meio ambiente do trabalho são e equilibrado e livre iniciativa econômica), realiza, no plano hermenêutico, a aplicação dos princípios da máxima efetividade [04] e da força normativa da Constituição [05], que devem inspirar todos os esforços exegéticos no plano dos direitos humanos fundamentais.
6. Cabe, pois, ao operador do Direito ¾ especialmente à autoridade administrativa e ao juiz ¾ sopesar o programa normativo (= Constituição, leis e direito secundário), em cotejo com o domínio normativo (= realidade social) [06], e avaliar se, em determinado contexto factual, as condições perversas de trabalho a que se submetem os obreiros não comprometem, na essência, a dignidade humana (artigo 1o, III, da CRFB); e, bem assim, se são inevitáveis do ponto de vista do estado atual da técnica. Se forem razoavelmente evitáveis, há afetação ao núcleo essencial da dignidade humana da pessoa trabalhadora. Se, todavia, são inelidíveis e não malferem grave e iminentemente aquela dignidade, convém resguardar o primado da livre iniciativa, reconhecendo o direito à exploração daquela atividade econômica e o seu proveito social (o emprego ¾ artigo 170, VIII, a CRFB), mas garantindo ao trabalhador a compensação financeira pelo desgaste e/ou pelo risco consentido. Ante um quadro de vulneração essencial da dignidade humana, com lesão ou ameaça de lesão grave e iminente a bens jurídicos fundamentais como a vida e a integridade física, justifica-se, pela primazia dos direitos de primeira geração, a ordem de interrupção imediata da atividade (total ou parcial, temporária ou definitiva), quando não o embargo da obra ou a interdição de estabelecimento, setor, máquina ou equipamento, ut artigo 161 da CLT, em sede judicial (cautelar) ou administrativa. Aqui, como em outras tantas plagas do Direito do Trabalho, a decisão administrativa ou judicial deve estar sobremodo informada pelo princípio da razoabilidade, ora servindo como critério de medição da verossimilhança de determinada explicação (para, e.g., distinguir, dentre os argumentos alinhavados pela empresa, "a autenticidade da ficção"), ora como "freio de certas faculdades cuja amplitude pode prestar-se à arbitrariedade". Conhecer e operar esse freio são tarefas que se impõem ao agente público no trato das relações de trabalho, mormente porque "a própria índole da relação trabalhista [...] coloca uma pessoa debaixo da subordinação de outra pessoa durante um certo tempo" [07]: em geral, o trabalhador subordinado sujeita-se à ordem patronal e não a questiona, seja por puro desconhecimento de suas conseqüências deletérias, seja pelo temor da dispensa. Com boa razão, o juiz resolverá, nos contextos reais, os recorrentes conflitos de princípios, afastando, caso a caso, aquele que possa ser razoavelmente sacrificado em alguma medida. Assim há de ser porque os princípios, quando se digladiam, não se revogam como as regras (submetidas à lógica do "all-or-nothing"), mas apenas se preterem, de tal modo que o princípio preterido não desaparece do ordenamento, mas nele se recolhe, em potência, para interagir quando necessário, sob novas circunstâncias [08]. Somente assim será contornada, pelo intérprete, a eterna contradição entre a livre iniciativa (fundamento da ordem econômica no país) e a inviolabilidade/indisponibilidade do corpo (desdobramento do direito à vida e projeção do princípio da dignidade humana).
7. Quanto à segunda antinomia, há que distinguir entre as causas do dano experimentado pelo trabalhador no ambiente de trabalho. Haverá causas diretamente ligadas ao desequilíbrio do meio ambiente de trabalho, atraindo a norma do artigo 225, §3º, da CRFB e, com ela, a regra do artigo 14, §1º, da Lei n. 6.938/81. E outras haverá que não terão natureza sistêmica, devendo-se antes a circunstâncias imponderáveis como o ato negligente, as paixões ou o pendor criminoso. Com efeito, o conceito lato de poluição introduzido pelo artigo 3o, III, da Lei n. 6.938/81 permite reconhecer a figura da poluição labor-ambiental, que não se atém aos quadros de afetação da biota ou das condições estéticas e sanitárias do meio ambiente (artigo 3o, III, "c" e "d") ― como se dá com os agentes químicos, físicos e biológicos em níveis de intolerância ―, alcançando ainda os contextos de aguda periculosidade ou penosidade (artigo 3º, III, "b": "criem condições adversas às atividades sociais e econômicas").
8. É princípio informador do Direito Ambiental que "os custos sociais externos que acompanham a produção industrial (como o custo resultante da poluição) devem ser internalizados, isto é, levados à conta dos agentes econômicos em seus custos de produção" [09] ¾ princípio do poluidor-pagador. Também os custos difusos do sistema de seguridade social com a legião brasileira de mutilados e desvalidos são, nesse sentido, externalidades a serem internalizadas. E, nesse encalço, a identificação do poluidor no meio ambiente do trabalho não oferece qualquer dificuldade: será, em geral, o próprio empregador, que engendra as condições deletérias da atividade econômica ou se omite no dever de arrostá-las; mas também poderá ser o tomador de serviços, quando a organização dos meios de produção e/ou do ambiente de trabalho deflagrar desequilíbrio sistêmico em prejuízo da saúde, segurança e bem-estar dos trabalhadores. Conseqüentemente, a aplicação do princípio do poluidor-pagador às hipóteses de danos pessoais (físicos ou psíquicos) derivados do desequilíbrio labor-ambiental sistêmico permite entrever que a responsabilidade pela internalização dos custos sociais externos e, "a fortiori", a obrigação de indenizar ("Schuld") com responsabilidade objetiva ("Haftung"), favorecem não apenas o empregado (= trabalhador subordinado), mas todo trabalhador inserido na organização empresarial, na acepção lata do artigo 114, I, da CRFB. Essa compreensão atende melhor ao princípio insculpido no artigo 1º, III, da CRFB, uma vez que, do ponto de vista dos direitos humanos de primeira e terceira geração, não se justifica a distinção entre empregados, avulsos, autônomos e eventuais. E, na mesma ensancha, inviabiliza a tese da natureza contratual da responsabilidade civil do empregador pelos acidentes de trabalho (uma vez que, se tal responsabilidade dimanasse de cláusula implícita de integridade inerente aos contratos de emprego, não poderia ser imputada aos tomadores de serviços em geral).
9. Conseqüentemente, quando o artigo 7o, XXVIII, da CRFB estabelece, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa", não se refere às hipóteses de acidentes do trabalho (artigos 19 e 21 da Lei n. 8.213/91), moléstias profissionais (artigo 20, I, da Lei n. 8.213/91) ou doenças do trabalho (artigo 20, II, da Lei n. 8.213/91) desencadeadas por distúrbios sistêmicos do meio ambiente laboral. Se o acidente ou a moléstia é concreção dos riscos inerentes à atividade (vide artigo 22, II, da Lei n. 8.212/91), ou se não guarda relação causal adequada com tais riscos, a indenização, calcada no instituto da culpa aquiliana "lato sensu" (artigos 186 e 927, caput, do NCC), dependerá de prova do elemento subjetivo (dolo ou culpa), usualmente ao encargo do empregador ou tomador (inversão do ônus da prova). Assim é, p. ex., se o descuido de um supervisor culminar com a explosão de uma caldeira (riscos inerentes à atividade de caldeiras, fornos e recipientes sob pressão); ou, ainda, se o empregador dolosamente sabota equipamentos de proteção individual para provocar o acidente em detrimento do empregado desafeto (atividade criminosa, desvinculada dos riscos da atividade).
10. Por outro lado, se o acidente ou a moléstia configuram dano labor-ambiental, desencadeado pelo incremento dos riscos inerentes ou pela criação de riscos atípicos em virtude da organização dos meios de produção e/ou dos elementos materiais do espaço laboral, a norma de regência é a do artigo 225, §3º, da CRFB e, por ela, a regra do artigo 14, §1o, da Lei n. 6.938/81. Aliás, são os riscos agravados ou atípicos que justificam, da mesma forma, a regra do artigo 927, par. único, do NCC [10]. Usualmente, a evidência do desequilíbrio labor-ambiental está na sucessão de acidentes ou moléstias que acometem trabalhadores de uma mesma seção ou linha de produção (denotando a inadequação física, química, biológica, ergonômica ou psicológica do meio ambiente de trabalho). Mas, malgrado seja circunstancialmente usual, o caráter "coletivo" não está na essência da responsabilidade civil objetiva labor-ambiental [11].
III. CONCLUSÃO
11. Impende reconhecer, em conclusão, que os riscos são inerentes a toda e qualquer atividade econômica e ― diga-se mais ― à maior parte das atividades sociais organizadas da sociedade pós-industrial. Noutras palavras, as necessidades induzidas e os avanços da técnica ensejam, hodiernamente, "riscos de procedência humana como fenômeno social estrutural" [12]. São, pois, toleráveis até certo limite (daí, justamente, o sentido ético da norma do artigo 7o, XXIII, da CRFB, e dos limites de tolerância da Portaria n. 3.214/78). Além desses limites (que podem ser quantitativos ou qualitativos), o risco incrementado (= agravado) e/ou criado (= atípico) de base sistêmica passa a caracterizar poluição no meio ambiente de trabalho. Nesse caso, lida-se com interesses metaindividuais, porque a difusão dos riscos ameaça seriamente a vida, a integridade e a saúde de todos os trabalhadores que trabalham ou possam vir a trabalhar naquele ambiente, subordinados ou não. Por conseguinte, legitima-se para a ação judicial o Ministério Público do Trabalho (aspecto preventivo-repressivo) e, na ocorrência de danos morais ou materiais à pessoa do trabalhador (= acidentes ou moléstias), a reparação (aspecto ressarcitório-compensatório) independe da existência de culpa (= responsabilidade objetiva), ut artigo 14, §1o, da Lei n. 6.938/81.
12. Logo, à vista do quanto exposto, é curial pontificar que:
(a) as normas dos incisos XXII e XXIII do art. 7º da CRFB são aparentemente antinômicas, mas podem ser harmonizadas segundo os princípios hermenêuticos da máxima efetividade e da força normativa da Constituição (atualização histórica). A monetização do risco (adicionais de remuneração) só é admissível quando: (1) as condições perversas não comprometam o fulcro essencial da dignidade humana dos trabalhadores; (2) tais condições forem inevitáveis do ponto de vista do estado atual da técnica (sob pena de inviabilidade da própria atividade econômica);
(b) as normas do art. 7º, XXVIII, e do artigo 225, §3º, da CRFB (com reenvio para a regra do art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81) são aparentemente antinômicas, mas podem ser conciliadas na perspectiva dos sistemas de organização produtiva. Assim: (α) se o dano moral/material sofrido pelo trabalhador, em razão de acidente ou moléstia, é concreção dos riscos inerentes à atividade, ou se não guarda relação causal adequada com tais riscos, a responsabilidade do empregador/tomador é SUBJETIVA e a indenização pressupõe a culpa aquiliana (dolo/culpa); (β) se o dano moral/material deriva de risco incrementado (agravado) ou criado (atípico) de base sistêmica, caracterizado pelo desequilíbrio dos fatores labor-ambientais (= poluição labor-ambiental), o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade "ad causam" (aspecto preventivo-repressivo) e a responsabilidade do empregador/tomador é OBJETIVA, com reparação independente de culpa (aspecto ressarcitório-compensatório);
(c) as conclusões «a» e «b» aproveitam tanto a empregados como a trabalhadores não subordinados, mercê do princípio da dignidade humana.
NOTAS
01 Antinomia jurídica é a "oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado"; se, porém, há critérios normativos positivos para a solução da antinomia, ela é aparente (Tércio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. São Paulo: Atlas, 1991, pp.189-190).
02 Cfr., por todos, Norma Sueli Padilha, Do Meio Ambiente do Trabalho Equilibrado, São Paulo, LTr, 2002, pp. 57-63.
03 Na dicção de Sueli Padilha, "a existência [...] do pagamento de adicionais para tais atividades, não pode significar a monetarização do risco profissional ou mercantilização da saúde do trabalhador, mas deve ser entendida como medida de caráter excepcional" (op.cit., p. 63 – g.n.). Noutros países, ganha vulto uma tendência de substituição desses adicionais monetários por repousos adicionais, que engendram compulsoriamente a menor exposição semanal ou mensal dos trabalhadores aos agentes perversos, graças aos períodos mais extensos de descanso.
04 "Este princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efectiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais [...] sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)" (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra. Almedina, 1999, p.1149).
05 "Segundo o princípio da força normativa da constituição [...] deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a «actualização» normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência" (J. J. Gomes Canotilho, op.cit., p.1151). Cfr. também Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, trad. Luís Afonso Heck, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p.68.
06 Sobre a necessidade de encadear programa normativo e domínio normativo, cfr. Luís Roberto Barroso, Ana Paula de Barcellos, "O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro", in Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, jan./fev. 2004, v. 371, p.193, p.178, nota n. 7.
07 Américo Plá Rodriguez, Princípios de Direito do Trabalho, trad. Wagner Giglio, 4ª tiragem, São Paulo, LTr, 1996, pp. 257-258.
08 Cfr. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, Cambridge, Harvard University Press, 1978, pp. 24-27. Dworkin distingue os "principles", que se referem a direitos estritamente individuais, das "policies", referidas a direitos coletivos ou de interesse geral. Criticando essa dicotomia, cfr., por todos, Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 3. Aufl., Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1996, p.99: "Es ist aber weder erforderlich noch zweckmäβig, den Begriff des Prinzips an den Begriff des individuellen Rechts zu binden".
09 Michel Prieur, Droit de l´environnement, 3ª ed., Paris, Dalloz, 1996, p. 135 ("le principe polluer-payeur").
10 "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Ocorre que toda atividade econômica implica, em alguma medida, riscos para as pessoas envolvidas: esse é um pressuposto sociológico da Risikogesellschaft. Logo, para que a parte final do texto não caia no vazio, deve-se interpretar a expressão «risco» como «risco agravado» ou «risco atípico», se bem que manifestado nas atividades normais do autor (o que afasta, portanto, a hipótese da negligência episódica ou do pendor criminoso). Já a expressão «por sua natureza» deve ser interpretada no contexto da organização dos meios de produção e dos elementos materiais do espaço laboral (i.e., natureza da organização da atividade econômica, e não dela própria). Há, por certo, atividades econômicas que naturalmente possuem «risco acentuado», apto a justificar a responsabilidade objetiva (transporte aéreo, exploração de energia nuclear, etc.); mas, nesses casos, cabe ao legislador ― e não ao juiz ― decidir se a responsabilidade objetiva é ou não um instrumento adequado, nos termos da primeira parte do dispositivo.
11 Donde, pois, o equívoco parcial de NORMA SUELI PADILHA ao obtemperar que "o acidente de trabalho referido no art. 7o, XXVIII, da Constituição Federal é o individual (regra ¾ responsabilidade subjetiva). Portanto, não está excluído, na hipótese de ocorrência de doença ocupacional, decorrente de poluição no meio ambiente de trabalho, a aplicação da regra aí incidente, ou seja, a da responsabilidade objetiva (art. 225, §3o)" (op.cit., p.68).
12 Jesús-María Silva Sánchez, La expansión del Derecho penal: aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales, Madrid, Civitas, 1999, p. 22. Confira-se ainda, no mesmo sentido, Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 6a ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 528 ("classe de risco tolerado ou permitido").
Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano é autor de diversas teses e monografias jurídicas, destacando-se, em sede penal, "Teoria da Imputação Objetiva no Direito Penal Ambiental brasileiro" e "Informática e Criminalidade: Primeiras Linhas".
E-mail: Entre em contato
Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº1065 (1.6.2006)
Elaborado em 03.2006.
Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Meio ambiente do trabalho e responsabilidade civil por danos causados ao trabalhador: dupla face ontológica. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1065, 1 jun. 2006. Disponível em:. Acesso em: 24 mar. 2010.
dupla face ontológica
FONTE: Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8452
Guilherme Guimarães Feliciano
Juiz do Trabalho Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté (SP). Livre Docente em Direito do Trabalho e Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Extensão Universitária em Economia Social e do Trabalho (Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP). Professor Assistente Doutor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade de Taubaté e Coordenador do Curso de Especialização "Lato Sensu" em Direito e Processo do Trabalho na mesma Universidade. Secretário Geral da AMATRA-XV (Associação dos Magistrados do Trabalho da 15ª Região).
I. INTRODUÇÃO
1. A entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002) trouxe consigo promessas e desafios. No campo da responsabilidade civil, a redação do artigo 927, par. único, do NCC entreabriu uma porta dilargada para que o intérprete identificasse, no cruzamento dos dados da realidade com o arcabouço legislativo, ensejos inéditos para a aplicação da teoria do risco, onde se plasma a responsabilidade civil objetiva.
2. No universo juslaboral, esse assunto ganhou interesse no campo da infortunística do trabalho, notadamente após a edição da Súmula n. 736 do STF e, mais recentemente, com a alteração do artigo 114 da CRFB pela EC n. 45/2004, à qual se seguiu a inteligência do Excelso Pretório no Conflito de Competência n. 7.204-1/MG, rel. Min. Ayres Britto (fixação da competência da Justiça do Trabalho para o processo e o julgamento das ações de responsabilidade civil movidas pelo empregado em face do empregador).
3. O presente trabalho pretende lançar novas luzes sobre a matéria, demonstrando que a responsabilidade civil objetiva do empregador, ligada a uma certa ordem casuística, não compromete a letra mínima do artigo 7º, XXVIII, parte final, da CRFB.
II. AS ANTINOMIAS APARENTES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM SEDE LABOR-AMBIENTAL
4. Em se tratando de meio ambiente do trabalho, a Constituição Federal de 1988 apresenta ao menos duas antinomias [01] aparentes. Uma delas deflui do cotejo entre as normas constitucionais dos incisos XXII e XXIII do artigo 7º da Constituição Federal [02]. O primeiro estabelece, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, a redução dos riscos inerentes ao trabalho; o segundo, ao revés, contrapõe ao risco o direito ao adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas (= monetização do risco). Outra antinomia aparente contrapõe o artigo 7º, XXVIII, da CRFB ― que parece vincular o direito de indenização do acidentado frente ao empregador à culpa ou dolo deste último (na esteira da Súmula n. 229 do STF, parcialmente superada) ― e o artigo 225, §3º, da CRFB ― que, sem aludir ao elemento subjetivo da conduta, destaca a obrigação do responsável à reparação dos danos de natureza ambiental a que der causa (o que deve incluir, por força do artigo 200, VIII, in fine, os danos relacionados ao meio ambiente do trabalho, derivados da inobservância das normas de segurança, higiene e saúde no trabalho). E, com efeito, o artigo 14, §1o, da Lei n. 6.938/81 dispõe, em matéria ambiental, que "é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". São, portanto, normas contraditórias? Aparentemente, sim; concretamente, não.
5. Quanto à primeira antinomia, resolve-se-a com a idéia de que a exposição ao risco é intrínseca a certas profissões no atual estágio de desenvolvimento tecnológico ("Risikogesellschaft"). Haverá, sempre, trabalho penoso, insalubre ou perigoso, que poderá ser empreendido, à luz dos princípios insculpidos no artigo 170 da CRFB (livre iniciativa e livre concorrência), ou mesmo que deverá ser empreendido, à mercê do interesse público primário (e.g., as atividades de geração e transmissão de energia elétrica, potencialmente perigosas ¾ vide Lei n. 7.369/85). Assim, se a redução máxima do agente prejudicial, i.e., a sua eliminação, é o primeiro propósito da lei (propiciando, inclusive, a supressão do adicional ¾ Súmula n. 80 do C.TST), a Constituição transige com a realidade, estipulando o pagamento de adicionais para as atividades insalubres, perigosas e penosas, enquanto o atual estado da técnica não permitir, em determinadas atividades econômicas, a eliminação ou sequer a redução do elemento perverso a níveis toleráveis para a saúde humana. Nem por isso se haverá de proibir aquela dada atividade, seja por sua necessidade social, seja em respeito ao primado da livre iniciativa. Para esses casos, estão previstos os adicionais de remuneração [03]. Por outro lado, se o estado atual da técnica permitir a eliminação dos riscos sem comprometimento cabal da atividade econômica, o trabalho perverso deve ser sumariamente eliminado; e, para tanto, poderão os trabalhadores e/ou o sindicato recorrer às instâncias do Poder Judiciário. Tal interpretação, sobre coordenar habilmente as duas normas constitucionais (e, por conseqüência, os dois princípios contrapostos ― direito ao meio ambiente do trabalho são e equilibrado e livre iniciativa econômica), realiza, no plano hermenêutico, a aplicação dos princípios da máxima efetividade [04] e da força normativa da Constituição [05], que devem inspirar todos os esforços exegéticos no plano dos direitos humanos fundamentais.
6. Cabe, pois, ao operador do Direito ¾ especialmente à autoridade administrativa e ao juiz ¾ sopesar o programa normativo (= Constituição, leis e direito secundário), em cotejo com o domínio normativo (= realidade social) [06], e avaliar se, em determinado contexto factual, as condições perversas de trabalho a que se submetem os obreiros não comprometem, na essência, a dignidade humana (artigo 1o, III, da CRFB); e, bem assim, se são inevitáveis do ponto de vista do estado atual da técnica. Se forem razoavelmente evitáveis, há afetação ao núcleo essencial da dignidade humana da pessoa trabalhadora. Se, todavia, são inelidíveis e não malferem grave e iminentemente aquela dignidade, convém resguardar o primado da livre iniciativa, reconhecendo o direito à exploração daquela atividade econômica e o seu proveito social (o emprego ¾ artigo 170, VIII, a CRFB), mas garantindo ao trabalhador a compensação financeira pelo desgaste e/ou pelo risco consentido. Ante um quadro de vulneração essencial da dignidade humana, com lesão ou ameaça de lesão grave e iminente a bens jurídicos fundamentais como a vida e a integridade física, justifica-se, pela primazia dos direitos de primeira geração, a ordem de interrupção imediata da atividade (total ou parcial, temporária ou definitiva), quando não o embargo da obra ou a interdição de estabelecimento, setor, máquina ou equipamento, ut artigo 161 da CLT, em sede judicial (cautelar) ou administrativa. Aqui, como em outras tantas plagas do Direito do Trabalho, a decisão administrativa ou judicial deve estar sobremodo informada pelo princípio da razoabilidade, ora servindo como critério de medição da verossimilhança de determinada explicação (para, e.g., distinguir, dentre os argumentos alinhavados pela empresa, "a autenticidade da ficção"), ora como "freio de certas faculdades cuja amplitude pode prestar-se à arbitrariedade". Conhecer e operar esse freio são tarefas que se impõem ao agente público no trato das relações de trabalho, mormente porque "a própria índole da relação trabalhista [...] coloca uma pessoa debaixo da subordinação de outra pessoa durante um certo tempo" [07]: em geral, o trabalhador subordinado sujeita-se à ordem patronal e não a questiona, seja por puro desconhecimento de suas conseqüências deletérias, seja pelo temor da dispensa. Com boa razão, o juiz resolverá, nos contextos reais, os recorrentes conflitos de princípios, afastando, caso a caso, aquele que possa ser razoavelmente sacrificado em alguma medida. Assim há de ser porque os princípios, quando se digladiam, não se revogam como as regras (submetidas à lógica do "all-or-nothing"), mas apenas se preterem, de tal modo que o princípio preterido não desaparece do ordenamento, mas nele se recolhe, em potência, para interagir quando necessário, sob novas circunstâncias [08]. Somente assim será contornada, pelo intérprete, a eterna contradição entre a livre iniciativa (fundamento da ordem econômica no país) e a inviolabilidade/indisponibilidade do corpo (desdobramento do direito à vida e projeção do princípio da dignidade humana).
7. Quanto à segunda antinomia, há que distinguir entre as causas do dano experimentado pelo trabalhador no ambiente de trabalho. Haverá causas diretamente ligadas ao desequilíbrio do meio ambiente de trabalho, atraindo a norma do artigo 225, §3º, da CRFB e, com ela, a regra do artigo 14, §1º, da Lei n. 6.938/81. E outras haverá que não terão natureza sistêmica, devendo-se antes a circunstâncias imponderáveis como o ato negligente, as paixões ou o pendor criminoso. Com efeito, o conceito lato de poluição introduzido pelo artigo 3o, III, da Lei n. 6.938/81 permite reconhecer a figura da poluição labor-ambiental, que não se atém aos quadros de afetação da biota ou das condições estéticas e sanitárias do meio ambiente (artigo 3o, III, "c" e "d") ― como se dá com os agentes químicos, físicos e biológicos em níveis de intolerância ―, alcançando ainda os contextos de aguda periculosidade ou penosidade (artigo 3º, III, "b": "criem condições adversas às atividades sociais e econômicas").
8. É princípio informador do Direito Ambiental que "os custos sociais externos que acompanham a produção industrial (como o custo resultante da poluição) devem ser internalizados, isto é, levados à conta dos agentes econômicos em seus custos de produção" [09] ¾ princípio do poluidor-pagador. Também os custos difusos do sistema de seguridade social com a legião brasileira de mutilados e desvalidos são, nesse sentido, externalidades a serem internalizadas. E, nesse encalço, a identificação do poluidor no meio ambiente do trabalho não oferece qualquer dificuldade: será, em geral, o próprio empregador, que engendra as condições deletérias da atividade econômica ou se omite no dever de arrostá-las; mas também poderá ser o tomador de serviços, quando a organização dos meios de produção e/ou do ambiente de trabalho deflagrar desequilíbrio sistêmico em prejuízo da saúde, segurança e bem-estar dos trabalhadores. Conseqüentemente, a aplicação do princípio do poluidor-pagador às hipóteses de danos pessoais (físicos ou psíquicos) derivados do desequilíbrio labor-ambiental sistêmico permite entrever que a responsabilidade pela internalização dos custos sociais externos e, "a fortiori", a obrigação de indenizar ("Schuld") com responsabilidade objetiva ("Haftung"), favorecem não apenas o empregado (= trabalhador subordinado), mas todo trabalhador inserido na organização empresarial, na acepção lata do artigo 114, I, da CRFB. Essa compreensão atende melhor ao princípio insculpido no artigo 1º, III, da CRFB, uma vez que, do ponto de vista dos direitos humanos de primeira e terceira geração, não se justifica a distinção entre empregados, avulsos, autônomos e eventuais. E, na mesma ensancha, inviabiliza a tese da natureza contratual da responsabilidade civil do empregador pelos acidentes de trabalho (uma vez que, se tal responsabilidade dimanasse de cláusula implícita de integridade inerente aos contratos de emprego, não poderia ser imputada aos tomadores de serviços em geral).
9. Conseqüentemente, quando o artigo 7o, XXVIII, da CRFB estabelece, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa", não se refere às hipóteses de acidentes do trabalho (artigos 19 e 21 da Lei n. 8.213/91), moléstias profissionais (artigo 20, I, da Lei n. 8.213/91) ou doenças do trabalho (artigo 20, II, da Lei n. 8.213/91) desencadeadas por distúrbios sistêmicos do meio ambiente laboral. Se o acidente ou a moléstia é concreção dos riscos inerentes à atividade (vide artigo 22, II, da Lei n. 8.212/91), ou se não guarda relação causal adequada com tais riscos, a indenização, calcada no instituto da culpa aquiliana "lato sensu" (artigos 186 e 927, caput, do NCC), dependerá de prova do elemento subjetivo (dolo ou culpa), usualmente ao encargo do empregador ou tomador (inversão do ônus da prova). Assim é, p. ex., se o descuido de um supervisor culminar com a explosão de uma caldeira (riscos inerentes à atividade de caldeiras, fornos e recipientes sob pressão); ou, ainda, se o empregador dolosamente sabota equipamentos de proteção individual para provocar o acidente em detrimento do empregado desafeto (atividade criminosa, desvinculada dos riscos da atividade).
10. Por outro lado, se o acidente ou a moléstia configuram dano labor-ambiental, desencadeado pelo incremento dos riscos inerentes ou pela criação de riscos atípicos em virtude da organização dos meios de produção e/ou dos elementos materiais do espaço laboral, a norma de regência é a do artigo 225, §3º, da CRFB e, por ela, a regra do artigo 14, §1o, da Lei n. 6.938/81. Aliás, são os riscos agravados ou atípicos que justificam, da mesma forma, a regra do artigo 927, par. único, do NCC [10]. Usualmente, a evidência do desequilíbrio labor-ambiental está na sucessão de acidentes ou moléstias que acometem trabalhadores de uma mesma seção ou linha de produção (denotando a inadequação física, química, biológica, ergonômica ou psicológica do meio ambiente de trabalho). Mas, malgrado seja circunstancialmente usual, o caráter "coletivo" não está na essência da responsabilidade civil objetiva labor-ambiental [11].
III. CONCLUSÃO
11. Impende reconhecer, em conclusão, que os riscos são inerentes a toda e qualquer atividade econômica e ― diga-se mais ― à maior parte das atividades sociais organizadas da sociedade pós-industrial. Noutras palavras, as necessidades induzidas e os avanços da técnica ensejam, hodiernamente, "riscos de procedência humana como fenômeno social estrutural" [12]. São, pois, toleráveis até certo limite (daí, justamente, o sentido ético da norma do artigo 7o, XXIII, da CRFB, e dos limites de tolerância da Portaria n. 3.214/78). Além desses limites (que podem ser quantitativos ou qualitativos), o risco incrementado (= agravado) e/ou criado (= atípico) de base sistêmica passa a caracterizar poluição no meio ambiente de trabalho. Nesse caso, lida-se com interesses metaindividuais, porque a difusão dos riscos ameaça seriamente a vida, a integridade e a saúde de todos os trabalhadores que trabalham ou possam vir a trabalhar naquele ambiente, subordinados ou não. Por conseguinte, legitima-se para a ação judicial o Ministério Público do Trabalho (aspecto preventivo-repressivo) e, na ocorrência de danos morais ou materiais à pessoa do trabalhador (= acidentes ou moléstias), a reparação (aspecto ressarcitório-compensatório) independe da existência de culpa (= responsabilidade objetiva), ut artigo 14, §1o, da Lei n. 6.938/81.
12. Logo, à vista do quanto exposto, é curial pontificar que:
(a) as normas dos incisos XXII e XXIII do art. 7º da CRFB são aparentemente antinômicas, mas podem ser harmonizadas segundo os princípios hermenêuticos da máxima efetividade e da força normativa da Constituição (atualização histórica). A monetização do risco (adicionais de remuneração) só é admissível quando: (1) as condições perversas não comprometam o fulcro essencial da dignidade humana dos trabalhadores; (2) tais condições forem inevitáveis do ponto de vista do estado atual da técnica (sob pena de inviabilidade da própria atividade econômica);
(b) as normas do art. 7º, XXVIII, e do artigo 225, §3º, da CRFB (com reenvio para a regra do art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81) são aparentemente antinômicas, mas podem ser conciliadas na perspectiva dos sistemas de organização produtiva. Assim: (α) se o dano moral/material sofrido pelo trabalhador, em razão de acidente ou moléstia, é concreção dos riscos inerentes à atividade, ou se não guarda relação causal adequada com tais riscos, a responsabilidade do empregador/tomador é SUBJETIVA e a indenização pressupõe a culpa aquiliana (dolo/culpa); (β) se o dano moral/material deriva de risco incrementado (agravado) ou criado (atípico) de base sistêmica, caracterizado pelo desequilíbrio dos fatores labor-ambientais (= poluição labor-ambiental), o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade "ad causam" (aspecto preventivo-repressivo) e a responsabilidade do empregador/tomador é OBJETIVA, com reparação independente de culpa (aspecto ressarcitório-compensatório);
(c) as conclusões «a» e «b» aproveitam tanto a empregados como a trabalhadores não subordinados, mercê do princípio da dignidade humana.
NOTAS
01 Antinomia jurídica é a "oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado"; se, porém, há critérios normativos positivos para a solução da antinomia, ela é aparente (Tércio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. São Paulo: Atlas, 1991, pp.189-190).
02 Cfr., por todos, Norma Sueli Padilha, Do Meio Ambiente do Trabalho Equilibrado, São Paulo, LTr, 2002, pp. 57-63.
03 Na dicção de Sueli Padilha, "a existência [...] do pagamento de adicionais para tais atividades, não pode significar a monetarização do risco profissional ou mercantilização da saúde do trabalhador, mas deve ser entendida como medida de caráter excepcional" (op.cit., p. 63 – g.n.). Noutros países, ganha vulto uma tendência de substituição desses adicionais monetários por repousos adicionais, que engendram compulsoriamente a menor exposição semanal ou mensal dos trabalhadores aos agentes perversos, graças aos períodos mais extensos de descanso.
04 "Este princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efectiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais [...] sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)" (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra. Almedina, 1999, p.1149).
05 "Segundo o princípio da força normativa da constituição [...] deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a «actualização» normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência" (J. J. Gomes Canotilho, op.cit., p.1151). Cfr. também Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, trad. Luís Afonso Heck, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p.68.
06 Sobre a necessidade de encadear programa normativo e domínio normativo, cfr. Luís Roberto Barroso, Ana Paula de Barcellos, "O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro", in Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, jan./fev. 2004, v. 371, p.193, p.178, nota n. 7.
07 Américo Plá Rodriguez, Princípios de Direito do Trabalho, trad. Wagner Giglio, 4ª tiragem, São Paulo, LTr, 1996, pp. 257-258.
08 Cfr. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, Cambridge, Harvard University Press, 1978, pp. 24-27. Dworkin distingue os "principles", que se referem a direitos estritamente individuais, das "policies", referidas a direitos coletivos ou de interesse geral. Criticando essa dicotomia, cfr., por todos, Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 3. Aufl., Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1996, p.99: "Es ist aber weder erforderlich noch zweckmäβig, den Begriff des Prinzips an den Begriff des individuellen Rechts zu binden".
09 Michel Prieur, Droit de l´environnement, 3ª ed., Paris, Dalloz, 1996, p. 135 ("le principe polluer-payeur").
10 "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Ocorre que toda atividade econômica implica, em alguma medida, riscos para as pessoas envolvidas: esse é um pressuposto sociológico da Risikogesellschaft. Logo, para que a parte final do texto não caia no vazio, deve-se interpretar a expressão «risco» como «risco agravado» ou «risco atípico», se bem que manifestado nas atividades normais do autor (o que afasta, portanto, a hipótese da negligência episódica ou do pendor criminoso). Já a expressão «por sua natureza» deve ser interpretada no contexto da organização dos meios de produção e dos elementos materiais do espaço laboral (i.e., natureza da organização da atividade econômica, e não dela própria). Há, por certo, atividades econômicas que naturalmente possuem «risco acentuado», apto a justificar a responsabilidade objetiva (transporte aéreo, exploração de energia nuclear, etc.); mas, nesses casos, cabe ao legislador ― e não ao juiz ― decidir se a responsabilidade objetiva é ou não um instrumento adequado, nos termos da primeira parte do dispositivo.
11 Donde, pois, o equívoco parcial de NORMA SUELI PADILHA ao obtemperar que "o acidente de trabalho referido no art. 7o, XXVIII, da Constituição Federal é o individual (regra ¾ responsabilidade subjetiva). Portanto, não está excluído, na hipótese de ocorrência de doença ocupacional, decorrente de poluição no meio ambiente de trabalho, a aplicação da regra aí incidente, ou seja, a da responsabilidade objetiva (art. 225, §3o)" (op.cit., p.68).
12 Jesús-María Silva Sánchez, La expansión del Derecho penal: aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales, Madrid, Civitas, 1999, p. 22. Confira-se ainda, no mesmo sentido, Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 6a ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 528 ("classe de risco tolerado ou permitido").
Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano é autor de diversas teses e monografias jurídicas, destacando-se, em sede penal, "Teoria da Imputação Objetiva no Direito Penal Ambiental brasileiro" e "Informática e Criminalidade: Primeiras Linhas".
E-mail: Entre em contato
Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº1065 (1.6.2006)
Elaborado em 03.2006.
Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Meio ambiente do trabalho e responsabilidade civil por danos causados ao trabalhador: dupla face ontológica. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1065, 1 jun. 2006. Disponível em:
terça-feira, 23 de março de 2010
AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA E RESERVA DE VAGAS NO ENSINO SUPERIOR
AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA E RESERVA DE VAGAS NO ENSINO SUPERIOR
Intervenção do Professor Kabengele Munanga
Representando o Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo
04 de março de 2010 – às 9h45min
"Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Excelentíssimo Senhor Ministro Enrique Ricardo Lewandowski por me ter habilitado para representar nesta Audiência Pública, o Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo.
Bem, eu ingressei no Programa de Pós-Graduação em ciências sociais da Universidade de São Paulo em 1975. Fui o primeiro negro a concluir o doutorado em antropologia social nessa universidade em 1977. Por mera coincidência, esse primeiro negro era oriundo do continente africano e não do próprio Brasil. Três anos depois, ingressei na carreira docente na mesma instituição, no atual Departamento de Antropologia onde fui o primeiro e o único negro professor, desde sua fundação. Daqui a três anos, estarei compulsoriamente me aposentando, sem ainda vislumbrar a possibilidade do segundo docente negro nesse Departamento.
Creio que esta é a história dos brasileiros afrodescendentes, não apenas nas universidades, mas também em outros setores da vida nacional que exigem formação superior para ocupar cargos e postos de comando e responsabilidade. Geralmente são ausentes ou invisíveis nesses postos e cargos. Quando se tem um, é sempre o primeiro e o único raramente o segundo e o terceiro. Encontrar três ou quatro juntos numa mesma instituição já é motivo de festa! Esse quadro é considerado como gritante quando comparado ao dos outros países que convivem ou conviveram com as práticas racistas como os Estados Unidos e a África do Sul. Os dados ao nosso conhecimento mostram que na véspera do fim do regime do apartheid, a África do Sul tinha mais negros com diploma superior que o Brasil de hoje, incluindo o líder da luta antiapartheid, Nelson Mandela. Só este exemplo basta para mostrar que algo está errado no país da “democracia racial” que precisa ser corrigido.
Daí o sentido e a razão de ser das políticas de ação afirmativa ou de reservas de vagas nas universidades públicas nacionais cujo processo se desencadeou principalmente após a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo realizada na África do Sul, em 2001.
Nos últimos oito anos, a começar pelas universidades estaduais do Rio de Janeiro (UERJ) e do Norte Fluminense (UENF) onde a política de cota foi implementada por meio de uma lei aprovada em 2001 na Assembléia Estadual do Rio de Janeiro, dezenas de universidades públicas federais e estaduais adotaram o sistema de cotas a partir da decisão de seus órgãos internos e conselhos universitários. Contrariando todas as previsões escatológicas daqueles que pensam que essa política provocaria um racismo ao contrário, conseqüentemente uma guerra racial devido à racialização de todos os aspectos da vida nacional, a experiência brasileira destes últimos anos mostra totalmente o contrário. Não houve distúrbios e linchamentos raciais em nenhum lugar como não apareceu nenhum movimento Ku Klux Klan à brasileira, prova de que as mudanças em processo estão sendo bem digeridas e compreendidas pelo povo brasileiro. Mais do que isso, as avaliações feitas até o momento comprovam que apenas nesses últimos oito anos da experiência das políticas de ação afirmativa, houve um índice de ingresso e de diplomados negros e indígenas no ensino superior jamais alcançado em todo o século passado.
O que se busca pela política de cotas para negros e indígenas, não é para ter direito às migalhas, mas sim para ter acesso ao topo em todos os setores de responsabilidade e de comando na vida nacional onde esses dois segmentos não são devidamente representados como manda a verdadeira democracia. A educação e formação profissional, técnica, universitária e intelectual de boa qualidade oferece a chave e a garantia da competitividade entre todos os brasileiros. Neste sentido, a política de cotas busca a inclusão daqueles brasileiros que por razões históricas e estruturais que têm a ver com nosso racismo à brasileira, encontram barreiras que a educação e formação superior podem em parte remover. Infelizmente, alguns invertem a lógica da proposta e veem na política de cotas a possibilidade de uma fratura da sociedade. Outros confessam que têm medo, mas medo de quê? De errar ou de acertar? Uma sociedade que quer mudar não deve ter medo de conflitos, pois não há mudança possível sem erros e sem conflitos, penso eu.
As tragédias de Ruanda devidas aos conflitos etnicopolíticos nada têm a ver com a implantação das políticas de ação afirmativa nas universidades brasileiras. É fabulação a insinuação de que o Brasil se tornaria um segundo Ruanda. Os conflitos no Ruanda, no Burundi e na atual República Democrática do Congo são consequências da política colonial belga que historicamente criou oposição entre etnias no espírito de dividir para dominar. Portanto, a relação entre Ruanda e o Brasil aludindo às políticas de ação afirmativa em benefício de afrodescendentes e indígenas é um álibi ideologicamente forçado para se opor às mudanças institucionais em matéria de recrutamento dos alunos.
Alguns obstáculos propositalmente colocados sobre as chances de sucesso das políticas de cotas se fizeram entender desde o início do processo em 2002. Felizmente, foram, no decorrer do tempo e do processo, removidos um a um pela própria prática e experiência das cotas nas universidades que as adotaram. Dizia-se no início que era difícil definir quem é negro ou afrodescendente por causa da intensa miscigenação ocorrida no país desde o seu descobrimento. Falsa dificuldade, porque a própria existência da discriminação racial antinegro é prova de que não é impossível identificá-lo. Existem evidentemente casos limites que mereceriam uma atenção desdobrada para não se cometer erros, casos esses que dependem da auto identificação dos candidatos. A bem de verdade, não houve dúvidas sobre a identidade da maioria dos estudantes brasileiros que ingressaram na universidade através das cotas. Diz-se também, que essa política é importada, em vez de ser uma solução nacional, baseada na realidade brasileira. Ora, sabemos todos que na história da humanidade nenhum povo inventa a totalidade de suas soluções. Nesse sentido, parte importante de nossos modelos, seja no campo do pensamento, ciência, tecnologia, político, jurídico, etc., foi inspirada em ou importada de outros países onde obtiveram sucesso. A questão fundamental é saber reinterpretá-las e adaptá-las a nossas realidades antes de nos apropriarmos delas. Penso que não devemos sucumbir-nos ao sofismo diante de uma desigualdade racial tão gritante em matéria de educação entre brasileiros.
Dizia-se também que a política das cotas violaria o princípio do mérito segundo o qual na luta pela vida os melhores devem ganhar. Pois bem, os melhores são aqueles que possuem armas mais eficazes, que em nosso caso seriam alunos oriundos dos colégios particulares melhor abastecidos. Os outros, que socialmente não nasceram com essas possibilidades, que se conformem! Finalmente, alegou-se que a política das cotas iria prejudicar o princípio de excelência muito caro para as grandes universidades. Mas, felizmente, também as avaliações feitas sobre o desempenho dos alunos cotistas na maioria das universidades que aderiram ao sistema, não comprovou a catástrofe. Surpreendentemente, os resultados do rendimento acadêmico desses alunos foram iguais e até mesmo superiores. Nem tampouco baixou o nível de excelência dessas universidades.
Sobrou apenas uma acusação, que explica nossa presença nesta Magna Casa: a inconstitucionalidade da política de ação afirmativa para indígenas e afrodescendentes. Pois bem! Seria descabível e até mesmo um contrasenso da minha parte, pela minha formação como antropólogo, ter a ousadia e o atrevimento para defender a constitucionalidade da política das cotas numa casa composta pelos especialistas da Lei e das leis e diante de juristas altamente qualificados e conceituados para defender a constitucionalidade ou acusar a inconstitucionalidade das cotas com competência e propriedade. Como não me considero um franco atirador, prefiro ser aluno e repetir fielmente o que alguns juristas, inclusive nesta Casa, já disseram a respeito.
Escreve Sidney Madruga, Procurador da República, em seu livro “Discriminação Positiva: Ações Afirmativas na Realidade Brasileira”:
A distinção entre o princípio da isonomia formal e substancial ou material, sobressai ante o tema das ações afirmativas, as quais, como destaca Mônica de melo, buscam revigorar o princípio da igualdade a partir de sua ótica material, da efetiva igualdade entre todos (...) [p.32] A igualdade formal seria a igualdade perante a lei. Ante a lei todos somos iguais sem distinção [op.cit.]. A igualdade substancial, portanto, é a busca da igualdade de fato, da efetivação, da concretização dos postulados da igualdade perante a lei (igualdade formal) (...) [p.41] – Ainda assim, não se pode falar em desconexão, mas numa diferenciação entre a igualdade formal e substancial, p.42 A isonomia constitucional, registra Manoel Gonçalves Ferreira Filho, citado por Hédio Silva Jr, também abarca desigualações, a fim de promover o bem de todos. Vale dizer, o princípio da igualdade não proíbe de modo absoluto as diferenciações de tratamento, vedando apenas aquelas diferenciações arbitrárias. Vê-se, portanto, conforme atesta Maria Garcia, que a igualdade traz em seu bojo um conceito relativo e relacional. Relativo, pois não pode ser compreendido num sentido absoluto; isto é, a máxima “todos são iguais perante a lei” passa a ser entendida como a composição de duas afirmações distintas, a saber: o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente, na medida exata de sua diferença (...) [p. 49-50].
Assim, igualdade tanto é não discriminar, como discriminar em busca de uma maior igualização (discriminar positivamente) [p.50].
Na interpretação de muitos, essa concretude de direitos passa pela implementação de ações afirmativas, que vão além das barreiras a condutas antidiscriminatórias, em desfavor de grupamentos humanos discriminados. Note-se, ainda, que a discriminação positiva não tem apenas o escopo de prevenir a discriminação, na medida em que, como possui duplo caráter, qual seja o reparatório (corrigir injustiças praticadas no passado) e o distributivo (melhor repartir, no presente, a igualdade de oportunidades) direcionados, principalmente para áreas da educação, da saúde e do emprego. Os pronunciamentos de alguns ministros desta Casa são claríssimos e sem nenhuma ambigüidade sobre este assunto.
Para concluir, penso que existe um debate na sociedade que envolve pensamentos, filosofias, representações do mundo, ideologias e formações diferentes. Esse pluralismo é socialmente saudável, na medida em que pode contribuir para a conscientização de seus membros sobre seus problemas e auxiliar a quem de direito, na tomada de decisões esclarecidas. Este debate se resume a duas abordagens dualistas. A primeira compreende todos aqueles que se inscrevem na ótica essencialista, segundo a qual existe uma natureza comum a todos os seres humanos em virtude da qual todos têm os mesmos direitos, independentemente de suas diferenças de idade, sexo, raça, etnia, cultura, religião, etc. Trata-se de uma defesa clara do universalismo ou do humanismo abstrato, concebido como democrático. De fato, esse humanismo abstrato se opõe ao reconhecimento público das diferenças entre brancos e não brancos, entre homens e mulheres, jovens, crianças e adultos. As melhores políticas públicas, capazes de resolver as mazelas e as desigualdades da sociedade brasileira, deveriam ser somente macrossociais ou universalistas. Qualquer proposta de ação afirmativa vinda do Estado que introduza as diferenças para lutar contra as desigualdades, é considerada, nessa abordagem, como um reconhecimento oficial das raças e, conseqüentemente, como uma racialização do Brasil, cuja característica dominante fundante é a mestiçagem. Ou, em outras palavras, as políticas de reconhecimento das diferenças poderiam incentivar os conflitos raciais que, segundo postula, nunca existiram. Nesse sentido, a política de cotas é uma ameaça à mistura racial, ao ideal da paz consolidada pelo mito de democracia racial.
A segunda abordagem reúne todos aqueles que se inscrevem na postura nominalista ou construcionista, ou seja, os que se contrapõem ao humanismo abstrato e ao universalismo, rejeitando uma única visão do mundo em que não se integram as diferenças. Eles entendem o racismo como produção do imaginário destinado a funcionar como uma realidade a partir de uma dupla visão do outro diferente, isto é, do seu corpo mistificado e de sua cultura também mistificada. O outro existe primeiramente por seu corpo antes de se tornar uma realidade social. Neste sentido, se a raça não existe biologicamente, histórica e socialmente ela é dada, pois no passado e no presente ela produz e produziu vítimas. Apesar do racismo não ter mais fundamento científico, tal como no século XIX, e não se amparar hoje em nenhuma legitimidade racional, essa realidade social da raça que continua a passar pelos corpos das pessoas não pode ser ignorada.
Grosso modo, eis as duas abordagens essenciais que nos dividem: intelectuais, estudiosos, midiáticos, ativistas e políticos, não apenas no Brasil, mas no mundo todo. Ambas produzem lógicas e argumentos inteligíveis e coerentes, numa visão que eu considero maniqueísta. A melhor abordagem, do meu ponto de vista, seria aquela que combina a aceitação da identidade humana genérica com a aceitação da identidade da diferença. Para ser um cidadão do mundo, é preciso ser, antes de mais nada, um cidadão de algum lugar, observou Milton Santos num de seus textos. A cegueira para com a cor é uma estratégia falha para se lidar com a luta antirracista, pois não permite a autodefinição dos oprimidos e institui os valores do grupo dominante e, conseqüentemente, ignora a realidade da discriminação cotidiana. A estratégia que obriga a tornar as diferenças salientes em todas as circunstâncias obriga a negar as semelhanças e impõe expectativas restringentes. No entanto, a discussão fica empobrecida quando se busca um posicionamento para saber se “essa desigualdade na igualdade” é bom ou ruim, pois a sociedade não funciona de maneira binária (ou isso ou aquilo) própria dos desajustados maniqueístas, mas sim na permanente tensão entre diferentes forças Visto deste ângulo, não creio que haja lei capaz de suprimir a mestiçagem ou de instituir a raça na sociedade brasileira, até porque não e isso que a lei busca. As ações afirmativas nos Estados Unidos e na Índia não foram para criar raças ou castas que já existiam antes naquelas sociedades. As leis que proibiram os intercursos sexuais entre brancos e negros nos Estados Unidos e na África do Sul em busca da pureza racial, não tiveram o êxito que delas se esperavam. A constituição da Índia de 1950 aboliu o sistema de castas naquele país, embora, passados 60 anos, ele continue a vigorar na prática, prova de que as leis sozinhas não resolvem todos os problemas de uma sociedade. As políticas de ação afirmativa foram implementadas nesses países para corrigir os efeitos negativos acumulados e presentes causados pelas discriminações e sobretudo pelo racismo institucional. Creio que isso é também a lógica dessa política no Brasil que defendemos.
Se a questão fundamental é como combinar a semelhança com a diferença para podermos viver harmoniosamente, sendo iguais e diferentes, por que não podemos também combinar as políticas universalistas com as políticas diferencialistas? Diante do abismo em matéria de educação superior, entre brancos e negros, brancos e índios, e levando-se em conta outros indicadores sócio-econômicos provenientes dos estudos estatísticos do IBGE e do IPEA, os demais índices do desenvolvimento humano provenientes dos estudos do PNUD, as políticas de ação afirmativa se impõem com urgência, sem que se abra mão das políticas macrossociais.
Não conheço nenhum defensor das cotas que se oponha à melhoria do ensino público. Pelo contrário, os que criticam as cotas e as políticas diferencialistas se opõem categoricamente a qualquer política de diferenciação por considerá-las a favor da racialização do Brasil. As leis para a regularização dos territórios e das terras das comunidades quilombolas, de acordo com o artigo 68 da Constituição, as leis 10639/03 e 11645/08 que tornam obrigatório o ensino da história da África, do negro no Brasil e dos povos indígenas; as políticas de saúde para doenças específicas da população negra como a anemia falciforme, etc., tudo isso é considerado como racialização do Brasil, e virou motivo de piada. Para alguns, a defesa da melhoria da escola pública é apenas um bom álibi para criticar as políticas focadas de ação afirmativa.
Creio, Senhor Ministro, que uma política que integre os cidadãos brasileiros, que por motivos históricos e estruturais vinculados à ideologia racista, não deveria ser considerada anticonstitucional, ou como uma política que divide a sociedade brasileira. Mas como não há unanimidade em matéria de interpretação das leis e da Carta magna da nação brasileira resta, para nós, as pessoas comuns, apenas a esperança de que os que de direito possam nos oferecer a sentença que desejamos.
Muito lhe agradeço, Senhor Ministro, pela oportunidade de defender, sem medo de errar, os interesses de um segmento importante da sociedade brasileira, que são também os interesses do Brasil."
Intervenção do Professor Kabengele Munanga
Representando o Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo
04 de março de 2010 – às 9h45min
Intervenção do Professor Kabengele Munanga
Representando o Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo
04 de março de 2010 – às 9h45min
"Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Excelentíssimo Senhor Ministro Enrique Ricardo Lewandowski por me ter habilitado para representar nesta Audiência Pública, o Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo.
Bem, eu ingressei no Programa de Pós-Graduação em ciências sociais da Universidade de São Paulo em 1975. Fui o primeiro negro a concluir o doutorado em antropologia social nessa universidade em 1977. Por mera coincidência, esse primeiro negro era oriundo do continente africano e não do próprio Brasil. Três anos depois, ingressei na carreira docente na mesma instituição, no atual Departamento de Antropologia onde fui o primeiro e o único negro professor, desde sua fundação. Daqui a três anos, estarei compulsoriamente me aposentando, sem ainda vislumbrar a possibilidade do segundo docente negro nesse Departamento.
Creio que esta é a história dos brasileiros afrodescendentes, não apenas nas universidades, mas também em outros setores da vida nacional que exigem formação superior para ocupar cargos e postos de comando e responsabilidade. Geralmente são ausentes ou invisíveis nesses postos e cargos. Quando se tem um, é sempre o primeiro e o único raramente o segundo e o terceiro. Encontrar três ou quatro juntos numa mesma instituição já é motivo de festa! Esse quadro é considerado como gritante quando comparado ao dos outros países que convivem ou conviveram com as práticas racistas como os Estados Unidos e a África do Sul. Os dados ao nosso conhecimento mostram que na véspera do fim do regime do apartheid, a África do Sul tinha mais negros com diploma superior que o Brasil de hoje, incluindo o líder da luta antiapartheid, Nelson Mandela. Só este exemplo basta para mostrar que algo está errado no país da “democracia racial” que precisa ser corrigido.
Daí o sentido e a razão de ser das políticas de ação afirmativa ou de reservas de vagas nas universidades públicas nacionais cujo processo se desencadeou principalmente após a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo realizada na África do Sul, em 2001.
Nos últimos oito anos, a começar pelas universidades estaduais do Rio de Janeiro (UERJ) e do Norte Fluminense (UENF) onde a política de cota foi implementada por meio de uma lei aprovada em 2001 na Assembléia Estadual do Rio de Janeiro, dezenas de universidades públicas federais e estaduais adotaram o sistema de cotas a partir da decisão de seus órgãos internos e conselhos universitários. Contrariando todas as previsões escatológicas daqueles que pensam que essa política provocaria um racismo ao contrário, conseqüentemente uma guerra racial devido à racialização de todos os aspectos da vida nacional, a experiência brasileira destes últimos anos mostra totalmente o contrário. Não houve distúrbios e linchamentos raciais em nenhum lugar como não apareceu nenhum movimento Ku Klux Klan à brasileira, prova de que as mudanças em processo estão sendo bem digeridas e compreendidas pelo povo brasileiro. Mais do que isso, as avaliações feitas até o momento comprovam que apenas nesses últimos oito anos da experiência das políticas de ação afirmativa, houve um índice de ingresso e de diplomados negros e indígenas no ensino superior jamais alcançado em todo o século passado.
O que se busca pela política de cotas para negros e indígenas, não é para ter direito às migalhas, mas sim para ter acesso ao topo em todos os setores de responsabilidade e de comando na vida nacional onde esses dois segmentos não são devidamente representados como manda a verdadeira democracia. A educação e formação profissional, técnica, universitária e intelectual de boa qualidade oferece a chave e a garantia da competitividade entre todos os brasileiros. Neste sentido, a política de cotas busca a inclusão daqueles brasileiros que por razões históricas e estruturais que têm a ver com nosso racismo à brasileira, encontram barreiras que a educação e formação superior podem em parte remover. Infelizmente, alguns invertem a lógica da proposta e veem na política de cotas a possibilidade de uma fratura da sociedade. Outros confessam que têm medo, mas medo de quê? De errar ou de acertar? Uma sociedade que quer mudar não deve ter medo de conflitos, pois não há mudança possível sem erros e sem conflitos, penso eu.
As tragédias de Ruanda devidas aos conflitos etnicopolíticos nada têm a ver com a implantação das políticas de ação afirmativa nas universidades brasileiras. É fabulação a insinuação de que o Brasil se tornaria um segundo Ruanda. Os conflitos no Ruanda, no Burundi e na atual República Democrática do Congo são consequências da política colonial belga que historicamente criou oposição entre etnias no espírito de dividir para dominar. Portanto, a relação entre Ruanda e o Brasil aludindo às políticas de ação afirmativa em benefício de afrodescendentes e indígenas é um álibi ideologicamente forçado para se opor às mudanças institucionais em matéria de recrutamento dos alunos.
Alguns obstáculos propositalmente colocados sobre as chances de sucesso das políticas de cotas se fizeram entender desde o início do processo em 2002. Felizmente, foram, no decorrer do tempo e do processo, removidos um a um pela própria prática e experiência das cotas nas universidades que as adotaram. Dizia-se no início que era difícil definir quem é negro ou afrodescendente por causa da intensa miscigenação ocorrida no país desde o seu descobrimento. Falsa dificuldade, porque a própria existência da discriminação racial antinegro é prova de que não é impossível identificá-lo. Existem evidentemente casos limites que mereceriam uma atenção desdobrada para não se cometer erros, casos esses que dependem da auto identificação dos candidatos. A bem de verdade, não houve dúvidas sobre a identidade da maioria dos estudantes brasileiros que ingressaram na universidade através das cotas. Diz-se também, que essa política é importada, em vez de ser uma solução nacional, baseada na realidade brasileira. Ora, sabemos todos que na história da humanidade nenhum povo inventa a totalidade de suas soluções. Nesse sentido, parte importante de nossos modelos, seja no campo do pensamento, ciência, tecnologia, político, jurídico, etc., foi inspirada em ou importada de outros países onde obtiveram sucesso. A questão fundamental é saber reinterpretá-las e adaptá-las a nossas realidades antes de nos apropriarmos delas. Penso que não devemos sucumbir-nos ao sofismo diante de uma desigualdade racial tão gritante em matéria de educação entre brasileiros.
Dizia-se também que a política das cotas violaria o princípio do mérito segundo o qual na luta pela vida os melhores devem ganhar. Pois bem, os melhores são aqueles que possuem armas mais eficazes, que em nosso caso seriam alunos oriundos dos colégios particulares melhor abastecidos. Os outros, que socialmente não nasceram com essas possibilidades, que se conformem! Finalmente, alegou-se que a política das cotas iria prejudicar o princípio de excelência muito caro para as grandes universidades. Mas, felizmente, também as avaliações feitas sobre o desempenho dos alunos cotistas na maioria das universidades que aderiram ao sistema, não comprovou a catástrofe. Surpreendentemente, os resultados do rendimento acadêmico desses alunos foram iguais e até mesmo superiores. Nem tampouco baixou o nível de excelência dessas universidades.
Sobrou apenas uma acusação, que explica nossa presença nesta Magna Casa: a inconstitucionalidade da política de ação afirmativa para indígenas e afrodescendentes. Pois bem! Seria descabível e até mesmo um contrasenso da minha parte, pela minha formação como antropólogo, ter a ousadia e o atrevimento para defender a constitucionalidade da política das cotas numa casa composta pelos especialistas da Lei e das leis e diante de juristas altamente qualificados e conceituados para defender a constitucionalidade ou acusar a inconstitucionalidade das cotas com competência e propriedade. Como não me considero um franco atirador, prefiro ser aluno e repetir fielmente o que alguns juristas, inclusive nesta Casa, já disseram a respeito.
Escreve Sidney Madruga, Procurador da República, em seu livro “Discriminação Positiva: Ações Afirmativas na Realidade Brasileira”:
A distinção entre o princípio da isonomia formal e substancial ou material, sobressai ante o tema das ações afirmativas, as quais, como destaca Mônica de melo, buscam revigorar o princípio da igualdade a partir de sua ótica material, da efetiva igualdade entre todos (...) [p.32] A igualdade formal seria a igualdade perante a lei. Ante a lei todos somos iguais sem distinção [op.cit.]. A igualdade substancial, portanto, é a busca da igualdade de fato, da efetivação, da concretização dos postulados da igualdade perante a lei (igualdade formal) (...) [p.41] – Ainda assim, não se pode falar em desconexão, mas numa diferenciação entre a igualdade formal e substancial, p.42 A isonomia constitucional, registra Manoel Gonçalves Ferreira Filho, citado por Hédio Silva Jr, também abarca desigualações, a fim de promover o bem de todos. Vale dizer, o princípio da igualdade não proíbe de modo absoluto as diferenciações de tratamento, vedando apenas aquelas diferenciações arbitrárias. Vê-se, portanto, conforme atesta Maria Garcia, que a igualdade traz em seu bojo um conceito relativo e relacional. Relativo, pois não pode ser compreendido num sentido absoluto; isto é, a máxima “todos são iguais perante a lei” passa a ser entendida como a composição de duas afirmações distintas, a saber: o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente, na medida exata de sua diferença (...) [p. 49-50].
Assim, igualdade tanto é não discriminar, como discriminar em busca de uma maior igualização (discriminar positivamente) [p.50].
Na interpretação de muitos, essa concretude de direitos passa pela implementação de ações afirmativas, que vão além das barreiras a condutas antidiscriminatórias, em desfavor de grupamentos humanos discriminados. Note-se, ainda, que a discriminação positiva não tem apenas o escopo de prevenir a discriminação, na medida em que, como possui duplo caráter, qual seja o reparatório (corrigir injustiças praticadas no passado) e o distributivo (melhor repartir, no presente, a igualdade de oportunidades) direcionados, principalmente para áreas da educação, da saúde e do emprego. Os pronunciamentos de alguns ministros desta Casa são claríssimos e sem nenhuma ambigüidade sobre este assunto.
Para concluir, penso que existe um debate na sociedade que envolve pensamentos, filosofias, representações do mundo, ideologias e formações diferentes. Esse pluralismo é socialmente saudável, na medida em que pode contribuir para a conscientização de seus membros sobre seus problemas e auxiliar a quem de direito, na tomada de decisões esclarecidas. Este debate se resume a duas abordagens dualistas. A primeira compreende todos aqueles que se inscrevem na ótica essencialista, segundo a qual existe uma natureza comum a todos os seres humanos em virtude da qual todos têm os mesmos direitos, independentemente de suas diferenças de idade, sexo, raça, etnia, cultura, religião, etc. Trata-se de uma defesa clara do universalismo ou do humanismo abstrato, concebido como democrático. De fato, esse humanismo abstrato se opõe ao reconhecimento público das diferenças entre brancos e não brancos, entre homens e mulheres, jovens, crianças e adultos. As melhores políticas públicas, capazes de resolver as mazelas e as desigualdades da sociedade brasileira, deveriam ser somente macrossociais ou universalistas. Qualquer proposta de ação afirmativa vinda do Estado que introduza as diferenças para lutar contra as desigualdades, é considerada, nessa abordagem, como um reconhecimento oficial das raças e, conseqüentemente, como uma racialização do Brasil, cuja característica dominante fundante é a mestiçagem. Ou, em outras palavras, as políticas de reconhecimento das diferenças poderiam incentivar os conflitos raciais que, segundo postula, nunca existiram. Nesse sentido, a política de cotas é uma ameaça à mistura racial, ao ideal da paz consolidada pelo mito de democracia racial.
A segunda abordagem reúne todos aqueles que se inscrevem na postura nominalista ou construcionista, ou seja, os que se contrapõem ao humanismo abstrato e ao universalismo, rejeitando uma única visão do mundo em que não se integram as diferenças. Eles entendem o racismo como produção do imaginário destinado a funcionar como uma realidade a partir de uma dupla visão do outro diferente, isto é, do seu corpo mistificado e de sua cultura também mistificada. O outro existe primeiramente por seu corpo antes de se tornar uma realidade social. Neste sentido, se a raça não existe biologicamente, histórica e socialmente ela é dada, pois no passado e no presente ela produz e produziu vítimas. Apesar do racismo não ter mais fundamento científico, tal como no século XIX, e não se amparar hoje em nenhuma legitimidade racional, essa realidade social da raça que continua a passar pelos corpos das pessoas não pode ser ignorada.
Grosso modo, eis as duas abordagens essenciais que nos dividem: intelectuais, estudiosos, midiáticos, ativistas e políticos, não apenas no Brasil, mas no mundo todo. Ambas produzem lógicas e argumentos inteligíveis e coerentes, numa visão que eu considero maniqueísta. A melhor abordagem, do meu ponto de vista, seria aquela que combina a aceitação da identidade humana genérica com a aceitação da identidade da diferença. Para ser um cidadão do mundo, é preciso ser, antes de mais nada, um cidadão de algum lugar, observou Milton Santos num de seus textos. A cegueira para com a cor é uma estratégia falha para se lidar com a luta antirracista, pois não permite a autodefinição dos oprimidos e institui os valores do grupo dominante e, conseqüentemente, ignora a realidade da discriminação cotidiana. A estratégia que obriga a tornar as diferenças salientes em todas as circunstâncias obriga a negar as semelhanças e impõe expectativas restringentes. No entanto, a discussão fica empobrecida quando se busca um posicionamento para saber se “essa desigualdade na igualdade” é bom ou ruim, pois a sociedade não funciona de maneira binária (ou isso ou aquilo) própria dos desajustados maniqueístas, mas sim na permanente tensão entre diferentes forças Visto deste ângulo, não creio que haja lei capaz de suprimir a mestiçagem ou de instituir a raça na sociedade brasileira, até porque não e isso que a lei busca. As ações afirmativas nos Estados Unidos e na Índia não foram para criar raças ou castas que já existiam antes naquelas sociedades. As leis que proibiram os intercursos sexuais entre brancos e negros nos Estados Unidos e na África do Sul em busca da pureza racial, não tiveram o êxito que delas se esperavam. A constituição da Índia de 1950 aboliu o sistema de castas naquele país, embora, passados 60 anos, ele continue a vigorar na prática, prova de que as leis sozinhas não resolvem todos os problemas de uma sociedade. As políticas de ação afirmativa foram implementadas nesses países para corrigir os efeitos negativos acumulados e presentes causados pelas discriminações e sobretudo pelo racismo institucional. Creio que isso é também a lógica dessa política no Brasil que defendemos.
Se a questão fundamental é como combinar a semelhança com a diferença para podermos viver harmoniosamente, sendo iguais e diferentes, por que não podemos também combinar as políticas universalistas com as políticas diferencialistas? Diante do abismo em matéria de educação superior, entre brancos e negros, brancos e índios, e levando-se em conta outros indicadores sócio-econômicos provenientes dos estudos estatísticos do IBGE e do IPEA, os demais índices do desenvolvimento humano provenientes dos estudos do PNUD, as políticas de ação afirmativa se impõem com urgência, sem que se abra mão das políticas macrossociais.
Não conheço nenhum defensor das cotas que se oponha à melhoria do ensino público. Pelo contrário, os que criticam as cotas e as políticas diferencialistas se opõem categoricamente a qualquer política de diferenciação por considerá-las a favor da racialização do Brasil. As leis para a regularização dos territórios e das terras das comunidades quilombolas, de acordo com o artigo 68 da Constituição, as leis 10639/03 e 11645/08 que tornam obrigatório o ensino da história da África, do negro no Brasil e dos povos indígenas; as políticas de saúde para doenças específicas da população negra como a anemia falciforme, etc., tudo isso é considerado como racialização do Brasil, e virou motivo de piada. Para alguns, a defesa da melhoria da escola pública é apenas um bom álibi para criticar as políticas focadas de ação afirmativa.
Creio, Senhor Ministro, que uma política que integre os cidadãos brasileiros, que por motivos históricos e estruturais vinculados à ideologia racista, não deveria ser considerada anticonstitucional, ou como uma política que divide a sociedade brasileira. Mas como não há unanimidade em matéria de interpretação das leis e da Carta magna da nação brasileira resta, para nós, as pessoas comuns, apenas a esperança de que os que de direito possam nos oferecer a sentença que desejamos.
Muito lhe agradeço, Senhor Ministro, pela oportunidade de defender, sem medo de errar, os interesses de um segmento importante da sociedade brasileira, que são também os interesses do Brasil."
Intervenção do Professor Kabengele Munanga
Representando o Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo
04 de março de 2010 – às 9h45min
domingo, 21 de março de 2010
CANAL “.Jus” (Ponto Jus), voltado para a veiculação de conteúdo educacional
Fonte: Notícias do STF
Vem aí o “.Jus” – o novo canal da multiprogramação digital da TV Justiça Na terça-feira, dia 23 de março, a TV Justiça consolida mais um passo na era digital com a inauguração do canal “.Jus” (Ponto Jus), voltado para a veiculação de conteúdo educacional.
Vem aí o “.Jus” – o novo canal da multiprogramação digital da TV Justiça Na terça-feira, dia 23 de março, a TV Justiça consolida mais um passo na era digital com a inauguração do canal “.Jus” (Ponto Jus), voltado para a veiculação de conteúdo educacional.
sexta-feira, 19 de março de 2010
São José dos Campos sedia 3º Seminário Nacional sobre Trabalho Infanto-Juvenil
Fonte: ENAMAT
19/03/2010 – São José dos Campos sedia 3º Seminário Nacional sobre Trabalho Infanto-Juvenil
"Foi realizado na semana passada (dias 11 e 12./3), no Parque Tecnológico Riugi Kojima, em São José dos Campos (SP), o 3º Seminário Nacional sobre Trabalho Infanto-Juvenil. O evento foi uma realização conjunta da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV), da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Subseção de São José dos Campos. O seminário, que contou com a participação de 850 inscritos, contou ainda com o apoio do TRT da 15ª Região e da Prefeitura da cidade.
O encontro reuniu magistrados, membros do Ministério Público, auditores fiscais do trabalho, juristas, advogados, assistentes sociais, integrantes de conselhos tutelares, políticos, professores e estudantes. Foram discutidos, entre outros temas, mecanismos políticos, jurídicos e econômicos que possam corrigir as distorções relacionadas ao problema. Os organizadores debateram ainda o trabalho infantil em suas piores formas – o escravo, o sexual, o paramilitar ou criminoso e o danoso à saúde ou à integridade moral da criança e do adolescente.
Números ainda são alarmantes
Durante a solenidade de abertura, o desembargador Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva, presidente do TRT da 15ª Região, destacou que o encontro não se resumiria a um mero debate teórico e acadêmico sobre questões menores ou de pouca relevância. “Ao revés, cuida-se de um dos temas mais tormentosos aos juslaboristas, porque ultrapassa a seara da simples normatização legislativa, para revelar, em última instância, a insidiosa realidade social da exploração do trabalho infanto-juvenil”, alertou o presidente do TRT. Para Sotero, mesmo apresentando alguma queda nos últimos anos, os números relativos ao trabalho infantil ainda são alarmantes. “Embora muito já se tenha feito, ainda há muito a se fazer para a erradicação completa dessa odiosa prática”, conclamou. Finalizando, o presidente convocou todos para que ganhem “fôlego e impulso na difícil, porém gratificante missão de realizarmos a Justiça em nossa imensa comunidade”.
Reflexos na economia
A conferência inicial do evento coube ao professor Márcio Pochmann, que abordou o tema “A idade mínima para o trabalho e seus reflexos no contexto econômico e tecnológico do mundo globalizado”. O encerramento, marcado para as 11 horas da manhã desta sexta, será feito pelo juiz do trabalho aposentado e professor da USP Oris de Oliveira. O tema de sua conferência será “Desafios da erradicação do trabalho infantil”. Na pauta estão ainda temas como acidentes do trabalho na infância e na adolescência, trabalho infanto-juvenil artístico, nova legislação do estágio, consequências na esfera criminal da exploração do trabalho infanto-juvenil e violência sexual contra a criança e o adolescente.
Compuseram a mesa de abertura dos trabalhos, além do presidente do TRT da 15ª Região, o presidente da Amatra XV, juiz Flávio Landi; o vice-presidente judicial do TRT e o diretor da Escola Judicial da 15ª, desembargadores Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, e Lorival Ferreira dos Santos, respectivamente; o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann; o prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury; o presidente da Câmara de Vereadores do município, Alexandre da Farmácia; o procurador-chefe do MPT na 15ª Região, Alex Duboc Garbellini; o presidente da Subseção local da OAB, Júlio Aparecido Costa Rocha; e os juízes Luciano Athayde Chaves, presidente da Anamatra; José Roberto Dantas Oliva, diretor do Fórum Trabalhista de Presidente Prudente; Dagoberto Nishina de Azevedo, diretor do Fórum Trabalhista de São José dos Campos; e José Sobrinho Loureiro, diretor do Fórum da Justiça Estadual de São José dos Campos. Também fizeram parte da mesa de honra o coronel Manoel Messias Mello, comandante do Policiamento do Interior – 1; o delegado-chefe da Delegacia da Polícia Federal em São José dos Campos, Carlos Tadeu Tasso; o delegado Agostinho Sérgio Gomes, representando o diretor da Polícia Judiciária Estadual em São José dos Campos, Márcio Souza e Silva Dutra; Ernesto Aparecido de Albuquerque, representando o deputado federal Emanuel Fernandes; a gerente regional da Caixa Econômica Federal no Vale do Paraíba, Rosa de Fátima Rangel; e o superintendente regional de Governo do Banco do Brasil, Jocil José Centanin.
Entre os magistrados da 15ª Região presentes à solenidade também estavam os desembargadores José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, presidente da 4ª Câmara do TRT, Renato Buratto, que preside a 7ª Câmara, Fernando da Silva Borges, vice-diretor da Escola Judicial; Edmundo Fraga Lopes, presidente da 3ª Câmara, e Susana Graciela Santiso, também da 3ª Câmara, além do desembargador aposentado Luiz Carlos de Araújo, ex-presidente do Regional."
(José Francisco Turco – TRT da 15ª Região)
19/03/2010 – São José dos Campos sedia 3º Seminário Nacional sobre Trabalho Infanto-Juvenil
"Foi realizado na semana passada (dias 11 e 12./3), no Parque Tecnológico Riugi Kojima, em São José dos Campos (SP), o 3º Seminário Nacional sobre Trabalho Infanto-Juvenil. O evento foi uma realização conjunta da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP), da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV), da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Subseção de São José dos Campos. O seminário, que contou com a participação de 850 inscritos, contou ainda com o apoio do TRT da 15ª Região e da Prefeitura da cidade.
O encontro reuniu magistrados, membros do Ministério Público, auditores fiscais do trabalho, juristas, advogados, assistentes sociais, integrantes de conselhos tutelares, políticos, professores e estudantes. Foram discutidos, entre outros temas, mecanismos políticos, jurídicos e econômicos que possam corrigir as distorções relacionadas ao problema. Os organizadores debateram ainda o trabalho infantil em suas piores formas – o escravo, o sexual, o paramilitar ou criminoso e o danoso à saúde ou à integridade moral da criança e do adolescente.
Números ainda são alarmantes
Durante a solenidade de abertura, o desembargador Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva, presidente do TRT da 15ª Região, destacou que o encontro não se resumiria a um mero debate teórico e acadêmico sobre questões menores ou de pouca relevância. “Ao revés, cuida-se de um dos temas mais tormentosos aos juslaboristas, porque ultrapassa a seara da simples normatização legislativa, para revelar, em última instância, a insidiosa realidade social da exploração do trabalho infanto-juvenil”, alertou o presidente do TRT. Para Sotero, mesmo apresentando alguma queda nos últimos anos, os números relativos ao trabalho infantil ainda são alarmantes. “Embora muito já se tenha feito, ainda há muito a se fazer para a erradicação completa dessa odiosa prática”, conclamou. Finalizando, o presidente convocou todos para que ganhem “fôlego e impulso na difícil, porém gratificante missão de realizarmos a Justiça em nossa imensa comunidade”.
Reflexos na economia
A conferência inicial do evento coube ao professor Márcio Pochmann, que abordou o tema “A idade mínima para o trabalho e seus reflexos no contexto econômico e tecnológico do mundo globalizado”. O encerramento, marcado para as 11 horas da manhã desta sexta, será feito pelo juiz do trabalho aposentado e professor da USP Oris de Oliveira. O tema de sua conferência será “Desafios da erradicação do trabalho infantil”. Na pauta estão ainda temas como acidentes do trabalho na infância e na adolescência, trabalho infanto-juvenil artístico, nova legislação do estágio, consequências na esfera criminal da exploração do trabalho infanto-juvenil e violência sexual contra a criança e o adolescente.
Compuseram a mesa de abertura dos trabalhos, além do presidente do TRT da 15ª Região, o presidente da Amatra XV, juiz Flávio Landi; o vice-presidente judicial do TRT e o diretor da Escola Judicial da 15ª, desembargadores Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, e Lorival Ferreira dos Santos, respectivamente; o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann; o prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury; o presidente da Câmara de Vereadores do município, Alexandre da Farmácia; o procurador-chefe do MPT na 15ª Região, Alex Duboc Garbellini; o presidente da Subseção local da OAB, Júlio Aparecido Costa Rocha; e os juízes Luciano Athayde Chaves, presidente da Anamatra; José Roberto Dantas Oliva, diretor do Fórum Trabalhista de Presidente Prudente; Dagoberto Nishina de Azevedo, diretor do Fórum Trabalhista de São José dos Campos; e José Sobrinho Loureiro, diretor do Fórum da Justiça Estadual de São José dos Campos. Também fizeram parte da mesa de honra o coronel Manoel Messias Mello, comandante do Policiamento do Interior – 1; o delegado-chefe da Delegacia da Polícia Federal em São José dos Campos, Carlos Tadeu Tasso; o delegado Agostinho Sérgio Gomes, representando o diretor da Polícia Judiciária Estadual em São José dos Campos, Márcio Souza e Silva Dutra; Ernesto Aparecido de Albuquerque, representando o deputado federal Emanuel Fernandes; a gerente regional da Caixa Econômica Federal no Vale do Paraíba, Rosa de Fátima Rangel; e o superintendente regional de Governo do Banco do Brasil, Jocil José Centanin.
Entre os magistrados da 15ª Região presentes à solenidade também estavam os desembargadores José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, presidente da 4ª Câmara do TRT, Renato Buratto, que preside a 7ª Câmara, Fernando da Silva Borges, vice-diretor da Escola Judicial; Edmundo Fraga Lopes, presidente da 3ª Câmara, e Susana Graciela Santiso, também da 3ª Câmara, além do desembargador aposentado Luiz Carlos de Araújo, ex-presidente do Regional."
(José Francisco Turco – TRT da 15ª Região)
quinta-feira, 18 de março de 2010
TEMA INTERESSANTE - PROIBIÇÃO DE BARBA E BIGODE x DIREITOS PERSONALÍSSIMOS
Notícias do Tribunal Superior do Trabalho - 18/03/2010
Exigir que empregados aparem barba e bigodes gera discussão na Justiça Trabalhista
A exigência de uma empresa de segurança da Bahia de que seus empregados mantenham barba e bigodes aparados foi tema de discussão na Justiça Trabalhista, e acabou chegando ao Tribunal Superior do Trabalho. Trata-se de ação civil movida pelo Ministério Público do Trabalho contra a empresa, por considerar que a exigência seria ofensiva à dignidade da pessoa humana e, por isso, geraria direito de indenização por dano moral coletivo.
A empresa Nordeste Segurança e Transporte de Valores possuía uma norma de conduta interna, pela qual o uso de barba e bigodes grandes era considerado uma violação de disciplina e, portanto, proibido aos funcionários. Contra esse dispositivo interno, o Ministério Público do Trabalho da 5ª Região (BA) interpôs ação civil pública, alegando ato discriminatório de cunho estético, o que geraria direito a indenização por dano moral coletivo. O juiz de primeiro grau não aceitou o pedido do MPT, mas determinou a revogação da norma, que foi substituída por novo texto. Assim, o MPT recorreu da decisão ao Tribunal Regional da 5ª Região (BA), que confirmou a sentença. Para o TRT, não houve violação do patrimônio moral dos empregados.
Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs recurso de revista ao TST, alegando violação do inciso X do artigo 5° da Constituição Federal, que protege a intimidade e a honra das pessoas, além de assegurar indenização pelo dano material ou moral. O MPT reafirmou o pedido de indenização por danos morais coletivos, sob o argumento de que a norma editada pela empresa teria causado dano de alcance transindividuais, na coletividade de empregados do sexo masculino.
O relator do processo na Quinta Turma, ministro Emmanoel Pereira, concluiu pela inexistência de afronta ao dispositivo constitucional. Segundo o relator, a norma não teve potencial lesivo, tampouco possuiu conteúdo discriminatório, como reiterado pelo MPT. Para o ministro, a limitação ao uso de barba grande foi medida adequada e proporcional à disciplina no desempenho de atividade de segurança e transporte de valores, condizente com a limitação de direitos fundamentais. Dessa forma, concluiu o relator, o texto original da norma não violou o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana e nem fora capaz de gerar pagamento por danos morais coletivos.
Sob esses fundamentos, a Quarta Turma não conheceu, por unanimidade, do recurso de revista do Ministério Público do Trabalho. (RR-115700-62.2004.5.05.0020)
(Alexandre Caxito)
Esta matéria tem caráter informativo, sem cunho oficial.
Permitida a reprodução mediante citação da fonte
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Superior do Trabalho
Tel. (61) 3043-4404
Exigir que empregados aparem barba e bigodes gera discussão na Justiça Trabalhista
A exigência de uma empresa de segurança da Bahia de que seus empregados mantenham barba e bigodes aparados foi tema de discussão na Justiça Trabalhista, e acabou chegando ao Tribunal Superior do Trabalho. Trata-se de ação civil movida pelo Ministério Público do Trabalho contra a empresa, por considerar que a exigência seria ofensiva à dignidade da pessoa humana e, por isso, geraria direito de indenização por dano moral coletivo.
A empresa Nordeste Segurança e Transporte de Valores possuía uma norma de conduta interna, pela qual o uso de barba e bigodes grandes era considerado uma violação de disciplina e, portanto, proibido aos funcionários. Contra esse dispositivo interno, o Ministério Público do Trabalho da 5ª Região (BA) interpôs ação civil pública, alegando ato discriminatório de cunho estético, o que geraria direito a indenização por dano moral coletivo. O juiz de primeiro grau não aceitou o pedido do MPT, mas determinou a revogação da norma, que foi substituída por novo texto. Assim, o MPT recorreu da decisão ao Tribunal Regional da 5ª Região (BA), que confirmou a sentença. Para o TRT, não houve violação do patrimônio moral dos empregados.
Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs recurso de revista ao TST, alegando violação do inciso X do artigo 5° da Constituição Federal, que protege a intimidade e a honra das pessoas, além de assegurar indenização pelo dano material ou moral. O MPT reafirmou o pedido de indenização por danos morais coletivos, sob o argumento de que a norma editada pela empresa teria causado dano de alcance transindividuais, na coletividade de empregados do sexo masculino.
O relator do processo na Quinta Turma, ministro Emmanoel Pereira, concluiu pela inexistência de afronta ao dispositivo constitucional. Segundo o relator, a norma não teve potencial lesivo, tampouco possuiu conteúdo discriminatório, como reiterado pelo MPT. Para o ministro, a limitação ao uso de barba grande foi medida adequada e proporcional à disciplina no desempenho de atividade de segurança e transporte de valores, condizente com a limitação de direitos fundamentais. Dessa forma, concluiu o relator, o texto original da norma não violou o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana e nem fora capaz de gerar pagamento por danos morais coletivos.
Sob esses fundamentos, a Quarta Turma não conheceu, por unanimidade, do recurso de revista do Ministério Público do Trabalho. (RR-115700-62.2004.5.05.0020)
(Alexandre Caxito)
Esta matéria tem caráter informativo, sem cunho oficial.
Permitida a reprodução mediante citação da fonte
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Superior do Trabalho
Tel. (61) 3043-4404
quarta-feira, 17 de março de 2010
TEMA: CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
REFLEXÃO: CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
REFLEXÃO: CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO. POSSIBILIDADE E LIMITES[1].
A partir do Século XX, o espetacular desenvolvimento das telecomunicações, dos transportes e da robótica levou ao abandono gradual do clássico modelo fordista-taylorista de produção, em favor do modelo toyotista.
O treinamento contínuo da mão-de-obra, bem como a contratação de empregados altamente qualificados passou a integrar a própria estratégia de sobrevivência das empresas.
O elevado grau de autonomia e especialização de alguns empregados propiciou o surgimento do trabalho cooperativo ou “parassubordinado”, como detectou inicialmente a doutrina trabalhista italiana.
Como um dos desdobramentos desse contexto, surgiu a cláusula da não-concorrência, que impõe limites ao uso do conhecimento adquirido pelo empregado em favor de outro empregador, após a extinção do contrato de trabalho.
Apesar da relevância do tema, a legislação trabalhista dele ainda não se ocupou de forma específica. As alíneas “c” e “g” do art. 482 da CLT, que cogitam da justa causa nas hipóteses de atos de concorrência praticados pelo empregado e da revelação de segredo da empresa, somente podem incidir na vigência do contrato de trabalho. Todavia, é justamente após a extinção do contrato que tais condutas são mais frequentes, hipótese em que a cláusula de não-concorrência adquire maior relevo.
Estêvão Mallet[2], em artigo publicado na revista LTr a respeito do tema, informa que a cláusula de não-concorrência, apesar de impor limitações à liberdade do trabalho, tem sido considerada lícita pela doutrina e pela jurisprudência, desde que observados certos limites e possibilidades.
Deve-se ressaltar que os princípios insculpidos no inciso XIII do art. 5º da CF não são absolutos, podendo sofrer restrições, em virtude da incidência de outros princípios, como no caso específico da cláusula de não-concorrência, que decorre do princípio da boa-fé objetiva que rege os contratos.
Portanto, pode o empregador, via de regra, contratar a limitação da atividade do empregado para o período posterior à extinção do vínculo empregatício, desde que observe certos limites e parâmetros razoáveis, sob pena de caracterização de abuso de direito (CCB, art. 187).
Eis alguns desses limites e parâmetros: 1) A cláusula de não-concorrência deve ser escrita, mas pode ser pactuada antes, durante e no término da relação de emprego. 2) Deverá conter justificativa objetivamente necessária, que satisfaça interesse legítimo do empregador, sendo também imprescindível a indicação das atividades restringidas e dos limites espacial e temporal aplicáveis. 3) Há de constar, se for o caso, o valor da compensação a ser paga pelo empregador em benefício do empregado, compensação esta que deve ser proporcional à restrição imposta.
Observados, assim, essas premissas básicas, a cláusula de não-concorrência pode encontrar eco no contrato individual de trabalho, devendo ser cumprida de boa-fé pelo empregado e pelo empregador, nos moldes do art. 422 do Código Civil.
[1] MACHADO JR, Lauro Guimarães. Tema para reflexão: Aplicação da cláusula de não-concorrência em contrato individual de trabalho. Roteiros de Aula de Direito do Trabalho II.
[2] MALLET, Estevão. Cláusula de não-concorrência em contrato individual de trabalho, Revista LTr, outubro de 2005, 69-10/1159 a 1169.
REFLEXÃO: CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO. POSSIBILIDADE E LIMITES[1].
A partir do Século XX, o espetacular desenvolvimento das telecomunicações, dos transportes e da robótica levou ao abandono gradual do clássico modelo fordista-taylorista de produção, em favor do modelo toyotista.
O treinamento contínuo da mão-de-obra, bem como a contratação de empregados altamente qualificados passou a integrar a própria estratégia de sobrevivência das empresas.
O elevado grau de autonomia e especialização de alguns empregados propiciou o surgimento do trabalho cooperativo ou “parassubordinado”, como detectou inicialmente a doutrina trabalhista italiana.
Como um dos desdobramentos desse contexto, surgiu a cláusula da não-concorrência, que impõe limites ao uso do conhecimento adquirido pelo empregado em favor de outro empregador, após a extinção do contrato de trabalho.
Apesar da relevância do tema, a legislação trabalhista dele ainda não se ocupou de forma específica. As alíneas “c” e “g” do art. 482 da CLT, que cogitam da justa causa nas hipóteses de atos de concorrência praticados pelo empregado e da revelação de segredo da empresa, somente podem incidir na vigência do contrato de trabalho. Todavia, é justamente após a extinção do contrato que tais condutas são mais frequentes, hipótese em que a cláusula de não-concorrência adquire maior relevo.
Estêvão Mallet[2], em artigo publicado na revista LTr a respeito do tema, informa que a cláusula de não-concorrência, apesar de impor limitações à liberdade do trabalho, tem sido considerada lícita pela doutrina e pela jurisprudência, desde que observados certos limites e possibilidades.
Deve-se ressaltar que os princípios insculpidos no inciso XIII do art. 5º da CF não são absolutos, podendo sofrer restrições, em virtude da incidência de outros princípios, como no caso específico da cláusula de não-concorrência, que decorre do princípio da boa-fé objetiva que rege os contratos.
Portanto, pode o empregador, via de regra, contratar a limitação da atividade do empregado para o período posterior à extinção do vínculo empregatício, desde que observe certos limites e parâmetros razoáveis, sob pena de caracterização de abuso de direito (CCB, art. 187).
Eis alguns desses limites e parâmetros: 1) A cláusula de não-concorrência deve ser escrita, mas pode ser pactuada antes, durante e no término da relação de emprego. 2) Deverá conter justificativa objetivamente necessária, que satisfaça interesse legítimo do empregador, sendo também imprescindível a indicação das atividades restringidas e dos limites espacial e temporal aplicáveis. 3) Há de constar, se for o caso, o valor da compensação a ser paga pelo empregador em benefício do empregado, compensação esta que deve ser proporcional à restrição imposta.
Observados, assim, essas premissas básicas, a cláusula de não-concorrência pode encontrar eco no contrato individual de trabalho, devendo ser cumprida de boa-fé pelo empregado e pelo empregador, nos moldes do art. 422 do Código Civil.
[1] MACHADO JR, Lauro Guimarães. Tema para reflexão: Aplicação da cláusula de não-concorrência em contrato individual de trabalho. Roteiros de Aula de Direito do Trabalho II.
[2] MALLET, Estevão. Cláusula de não-concorrência em contrato individual de trabalho, Revista LTr, outubro de 2005, 69-10/1159 a 1169.
domingo, 14 de março de 2010
Orientação de Pesquisa e Produção Científica - TC1
PROJETO DE PESQUISA (TC1)
Atendendo às normas da ABNT-Associação Brasileira de Normas Técnicas – NBR 14.724, de julho de 2001, eis o conteúdo textual mínimo obrigatório para um projeto de pesquisa:
1. A justificativa para a escolha do tema;
2. A apresentação do problema de pesquisa;
3. A apresentação da(s) hipótese(s) – opcional;
4. O marco teórico;
5. A descrição da metodologia a ser utilizada;
6. A bibliografia.
Atendendo às normas da ABNT-Associação Brasileira de Normas Técnicas – NBR 14.724, de julho de 2001, eis o conteúdo textual mínimo obrigatório para um projeto de pesquisa:
1. A justificativa para a escolha do tema;
2. A apresentação do problema de pesquisa;
3. A apresentação da(s) hipótese(s) – opcional;
4. O marco teórico;
5. A descrição da metodologia a ser utilizada;
6. A bibliografia.
Assinar:
Postagens (Atom)